Para Eliminar a Dúvida
 
 
Jean des Vignes Rouges
 
 
 
 
 
Se você quer educar a sua própria vontade, comece por acreditar que não é inútil a decisão de querer.
 
Com demasiada frequência, solitário e pensativo ao final do dia, você fica desanimado pela visão da sua fraqueza? A percepção das suas dificuldades pessoais é dolorosa. Quantos esforços sem resultado foram feitos ontem! Obstáculos enormes para superar amanhã! Quantos rivais implacáveis e ameaçadores no seu caminho!
 
Para se libertar da obsessão, você liga o seu rádio.[1] Infelizmente! Porque o barulho do mundo, entrando no seu quarto como um furacão, só agrava o seu mal-estar: guerras, fomes, crises, catástrofes! Todas essas palavras, todos esses gritos, essas lágrimas, toda essa tremenda tempestade de acontecimentos faz com que sua alma seja como a alma aterrorizada de um pássaro encolhido sobre um tufo de erva no campo.
 
Ah! Como parece ridícula a intenção de ter uma vontade, de exercer uma influência, de ser a causa de alguma coisa. As sombras da noite pouco a pouco invadem você…
 
É em momentos como esse que é necessário começar a acreditar, como um idiota, na sua própria vontade. Sim, isso mesmo. Aceite cegamente esta convicção de que você tem a capacidade de querer, de estar na origem da criação de algo novo, e ter um lugar importante no Universo.
 
Como fazer isso? “Que razões posso encontrar” – pergunta você – “para justificar essa crença em mim mesmo?”
 
A própria pergunta revela o erro que você está cometendo! Você está tão acostumado a consultar a sua inteligência, que gostaria de encontrar uma demonstração que lhe comprove o valor da sua personalidade. Ora, nesta questão, você precisa saber que as exigências da razão são com frequência pouco oportunas e estéreis. Produzir ideias é algo demasiado trivial quando o que importa, sobretudo, é sentir em si mesmo o sopro da vida. A mania de raciocinar perturba os mecanismos sutis da sua alma. O poder da vontade não pode ser demonstrado: deve ser diretamente experimentado.
 
Portanto, vá além da aprovação da razão. Decida adquirir força de vontade – assim como o pão de cada dia – através do suor do seu rosto.
 
Qual será o motor do seu esforço? Bem! Será o seu próprio desconforto, e a necessidade de escapar dele. Com efeito, veja bem, existe na dor uma espécie de ânsia por viver, um protesto que produz a reação. No fundo do poço do sofrimento, a vontade de ter um “eu” saudável e forte toma conta de você; é esta vontade que irá comandar o esforço pela libertação.
 
Provoque-a colocando a fé em si mesmo num pedestal, através de um golpe de estado revolucionário. Sem discussão, faça uma perseguição severa das visões sinistras ou humilhantes que o dominam. Revolução! Revolução! Com uma tocha na mão, a palavra toma a sua alma de surpresa. Queimar! Destruir! Devemos apagar todo o passado doloroso.
 
Outros pensamentos já surgem, abalando tudo, e se estabelecem triunfalmente. Aqui você está de pé, falando com voz alta, andando para lá e para cá com passos largos, gesticulando.
 
Sim, não tenha medo de encarregar seu corpo da tarefa de expressar à sua maneira o seu drama interior. A apatia da sua vontade talvez tenha sido consequência do relaxamento dos seus músculos. Portanto, avance de modo direto. Desperte as suas energias adormecidas. Elas são certamente maiores ​​do que você imaginou até agora. Quantas vezes na sua vida você não constatou: “Jamais pensei que fosse capaz disso!” Você ainda não parou de surpreender a si mesmo.
 
Está resolvido! Está juramentado! Proclame: “Tenho uma fé inflexível em mim mesmo!” Repita esta frase! Outra vez! Essas palavras acabarão ficando grudadas em você, sem raciocínios, sem comprovação.
 
Porque, na hora em que você afirma, com punhos fechados, músculos tensos e sobrancelhas contraídas: “Tenho fé em mim mesmo!” Você sente que está obedecendo à lei primordial que rege os seres, e está caminhando na direção da vida. Um ser “vivo” não tem o direito de pedir comprovações ou garantias à vida. Ele enfrenta a grande aventura espiritual que lhe confere a qualidade de “ser”. Esta é a afirmação que resiste a todas as críticas. Você está aí em carne e osso. Não é uma ilusão nem um sonho nascido dos seus desejos. Respeite, portanto, o impulso vital que movimenta você; ele é o seu bem mais precioso, porque ele é você.
 
Um minuto atrás, o sentimento de desânimo o dominava, e com sarcasmo ele o descrevia como um “nada, filho do nada”.
 
– Isso é falso, grita você agora. Eu sou “eu”, um ser único e extraordinário para o qual convergem mil forças misteriosas, saídas dos tempos mais distantes e de todos os cantos do Universo. A natureza vem preparando há muitos séculos o indivíduo incomparável que sou. Calem a boca, pensamentos idiotas cuja influência é venenosa! Vocês não perturbarão minha confiança em mim mesmo. Para desafiá-los com mais eficiência, digo na cara de vocês qual é o lema da minha vida no momento atual: “Agir primeiro, pensar depois”.
 
Mas, é verdade! Vale a pena adotar corajosamente esta fórmula irônica através da qual zombamos dos impulsivos, nos momentos em que parece tremer a chama da confiança. Mais tarde consultaremos o motivo, mas agora é uma questão de recuperar o ânimo. Isto é bem mais importante do que raciocinar de maneira correta e fria.
 
Em resumo, o procedimento que recupera a confiança em si mesmo é muito parecido com uma luta de boxe. Mas não se deve pensar que basta fazer ataques verbais aos pensamentos de desânimo. Não. Com mais frequência, a sua reação será ir mais cedo para o seu local de trabalho, onde realizará as suas tarefas com uma espécie de raiva, ou realizará uma ação difícil. Em outras ocasiões você se forçará a escrever uma carta, a ler em voz alta, a organizar a sua biblioteca, arrumar os seus livros, limpar um tapete. O essencial é mexer-se, afirmar a sua personalidade através do movimento, ainda que mecânico.
 
Uma vez que você tenha derrotado a sua crise de dúvidas a golpes de porrete, não esqueça que os santos, em circunstâncias mais ou menos análogas, não hesitaram em flagelar-se: mas você pode reforçar o seu valor de maneiras mais eficientes. Você pensará que faz parte da sua dignidade como homem ter uma vontade firme. Esta ideia, colocada no pedestal do que é sagrado, será uma das suas razões para viver e para afirmar-se.
 
E além disso, você pensará também que é um absurdo considerar-se como um representante do nada. Todos nós desempenhamos um papel na sociedade humana, mesmo que seja apenas o de dar um exemplo. A palavra mais modesta tem repercussões das quais nem suspeitamos, porque contribui para formar a opinião pública. Quanto às nossas ações, elas não se limitam a seguir-nos, elas provocam benefícios ou sofrimentos para nós e para outros.
 
Nada no Universo depende apenas de nós, mas o nosso limitado esforço coloca uma força criativa em tudo que é feito. E isso pode despertar orgulho no homem desanimado.
 
Deste modo você sentirá a grandeza de ser pessoalmente um elo vivo em uma longa corrente de seres humanos que talvez se estenda até um infinito deslumbrante.
 
Portanto, acredite em si mesmo com obstinação. Não é verdade que o destino esteja sendo injusto com você; é a sua imaginação amedrontada que cria esse fantasma. Pulverize o fantasma dizendo que ele já não existe mais.
 
Decisão arbitrária! Um salto para o desconhecido! Sim, mas é deste jeito que se controla o destino; à base de chicotadas.
 
NOTA:
 
[1] Liga a TV, ou decide ver notícias do mundo externo na mídia ou nas redes sociais. (CCA) 
 
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O artigo “Fé em Si Mesmo” foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia 06 de janeiro de 2025. Trata-se da tradução de um item do livro «Dictionnaire de la Volonté», de Jean des Vignes Rouges, Éditions J. Oliven, Paris, 320 pp., 1945, pp. 135-138.O texto original em francês está disponível online: “Foi en Soi-même”. Tradução: Carlos Cardoso Aveline.
 
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Jean des Vignes Rouges é o nome literário do militar e pensador francês Jean Taboureau (1879-1970).
 
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
 
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