Conto Teosófico Narra
a Derrota da Ignorância
 
 
John Garrigues
 
 
 
 
 
Imri, trilhando o Caminho, entrou na neblina da desorientação. Este é sempre um lugar onde dois caminhos se encontram. Uma estrada parecia a mais agradável. Ela ia longe, suave e bela, avançando estável até um céu brilhante, e no nível mais alto ele podia ver a si mesmo, glorificado, tendo como joia a luz, um farol orientador das multidões humanas.
 
Este era o reflexo do Imri de sonhos, projetado sobre a tela do tempo; e era causado pela luz da Alma fragmentada e dividida nos milhares de desejos do coração. Imri não sabia disso. Cheio de boa vontade, tratando de ser útil a todas as almas, mantinha seu olhar voltado para fora e pensava que as outras almas estavam separadas de si.
 
Imri conhecia os traidores ilusionistas que confundem os passos dos seres humanos. Ele os tinha visto iludindo pessoas e alertava constantemente sobre eles, indicando a todos o caminho para o Ser Uno. Mas como não existe mesmo separação alguma, estes traidores ilusionistas estavam também no coração de Imri, divertindo-se à vontade com a chama viva da devoção sentida por ele. E isso era ignorado por Imri. Só aqueles que estão acordados no Eu Superior sabem dos fatos. Para quem está sonhando, o caminho do sonho é o caminho real. Belo e pleno é para eles o caminho do sonhar, mas o caminho do real lhes parece um sonho confuso.
 
Imri falou ao instrutor, cujos passos o acompanhavam: “Este é o caminho.” E Imri virou à esquerda.
 
Quando fez esta escolha e entrou no caminho, o Guru caminhou atrás dele. Depois de algum tempo, Imri percebeu que o Guru o seguia.   
 
“Mestre, como é isto? No começo, quando o encontrei pela primeira vez, era você quem caminhava à frente. Mais tarde, lembro que caminhamos lado a lado durante algum tempo. E agora, embora o caminho seja belo e amplo, você fica para trás e sou eu que abro o caminho.”
 
“Este caminho é sua escolha, não minha. Eu apenas acompanho você até certo ponto.”
 
“Não é este o caminho do Eu Superior?”
 
“Todos os caminhos são do Eu Superior”, respondeu o mestre. “O eu superior em cada um escolhe o seu próprio caminho. Não há outro rumo.”
 
Imri ficou perturbado e pensou que seu instrutor estava cometendo um erro. “Não entendo você. Estas frases suas são obscuras. Você, que é meu instrutor, deveria esclarecer as coisas. Eu só desejo aprender.”
 
“Este é o caminho do aprendizado”, disse o Guru, sem responder à crítica.  
 
Imri ficou irritado em sua consciência. Pensou que o Guru não estava sendo solidário, que estava cansado de caminhar, ou que talvez o tivesse entendido mal. Disse a si mesmo que quando falta boa vontade as pessoas se tornam impacientes, e a falta de paciência as faz entender mal os outros. Ele sentiu que perdoava o instrutor. A irritação abandonou sua alma e ele se voltou com simpatia para o Guru, dizendo palavras amáveis.
 
Mas o instrutor estava bastante longe. Então Imri ficou esperando que o instrutor se aproximasse outra vez. Embora ele esperasse, o Guru não parecia aproximar-se. A irritação surgiu de novo no coração de Imri, chamando sua atenção para o atraso na viagem e sugerindo que seria melhor prosseguir, de modo a preparar abrigo para o instrutor no final do dia. Com este pensamento Imri sentiu um brilho de satisfação, e retomou a caminhada. 
 
Quando veio a noite, Imri olhou outra vez para o ponto mais alto do eu que sonha. Ele estava coroado e radiante mas mais alto no céu que no início, e quando olhava, parecia mais distante do que nunca. Ele tinha marchado o dia inteiro com todo vigor e isso parecia estranho, porque o caminho tinha sido belo e sem altos e baixos. 
 
Apressou-se a preparar um abrigo para a noite, pensando em modos de desculpar o seu instrutor, preparando perguntas a serem feitas durante o repouso noturno. Mas quando a escuridão fechou as cortinas da noite, o instrutor ainda não havia chegado.
 
Então Imri teve medo de que uma desgraça tivesse ocorrido ao seu instrutor. De imediato uma ansiedade em relação ao seu bem-estar abriu as portas da memória. Imri fez uma busca com seu pensamento pela trajetória percorrida durante o dia; em seguida examinou rapidamente as suas peregrinações anteriores até o momento do seu primeiro encontro com o Guru. Reencontrou a paz mergulhando na memória da ajuda recebida. Diante do fogo vivo da gratidão, os traidores ilusionistas fugiram apressadamente.
 
Imri ergueu-se e percorreu novamente os seus passos, movido por um sentimento de gratidão para com seu instrutor. Queria encontrá-lo e levá-lo até o abrigo. Nisso Imri não tinha outra ideia que não fosse a de agradecimento. Embora as aspirações pessoais ainda estivessem ocultas em seu coração, Imri não sabia disso, e portanto nem suspeitava que havia-se afastado do Caminho através de escolhas erradas. Durante o sonho, o caminho dos sonhos parece o caminho real. O caminho real é o caminho do despertar. No entanto, o caminho do despertar existe no mundo do sonho. Como poderia ser diferente, se a vida dos homens é um sonho? Imri não sabia que a escada para despertar dos sonhos é feita de gratidão. Ele apenas sentia gratidão, sem pensar e sem saber onde ela leva.
 
Shukra, a estrela vespertina, iluminou o seu caminho. Sob esta estrela Imri encontrou seu instrutor. Imri pensou que ele havia acelerado seus passos, encontrando-o rapidamente. Isso não era verdade, porque o instrutor permanecia no mesmo lugar. Só Imri havia caminhado até longe e voltado. O peregrinar de quem encontrou o Caminho ocorre sem movimentação externa. Mas longa é a viagem daqueles que procuram pelo Caminho. O desejo pessoal havia levado Imri a fazer a marcha do dia. A gratidão indicou, como se usasse uma espada, o caminho do retorno. Imri encontrara o guru outra vez através da gratidão.
 
“Pensei que havia perdido você, Mestre. Onde é que esteve o dia todo? Devemos apressar-nos até o abrigo que preparei para mim e para você. Deixe-me ajudá-lo durante o resto do caminho.”
 
“Veja”, disse o instrutor, sorrindo afetuosamente.
 
Imri sentiu um grande cansaço ao lado do alívio por haver encontrado o instrutor depois da sua longa marcha. Ele olhou para onde o guru estava olhando, ao longo do caminho que havia percorrido e pelo qual havia voltado. Olhando pelo olhar do instrutor, todas as coisas eram claras na escuridão da noite, e claras também no torpor exausto de Imri.
 
Neste momento Imri viu que o caminho que havia seguido era o caminho dos milhares de desejos escondidos no coração, que se tornam dourados devido à luz da alma. O ponto mais alto dos seus sonhos era o egotismo da cabeça, desejando posição de destaque. As multidões para quem ele havia parecido ser um farol orientador eram outros seres humanos que seguiam sonhos como ele mesmo. Cada membro da multidão via a si próprio como Imri havia visto a si. Cada um buscava o caminho, e cada um pensava ser um grande líder.
 
Então a humildade surgiu no coração de Imri. A dor de todas as almas se tornou sua dor. Viu que o caminho que havia seguido levava sempre para baixo. A maior parte dos seres humanos, compreendeu ele, avança neste rumo, seguindo seus sonhos e pensando que seus sonhos são o caminho.
 
“Veja mais além”, disse Guru com voz amável.
 
Imri viu uma coisa estranha.
 
Constantemente, a cada passo à frente dado pelos seres da multidão, abriam-se dois caminhos, um deles, amplo, pleno e belo na aparência, apontando diretamente para a frente na linha do que desejavam; o outro, íngreme, apontava bruscamente para o alto, e parecia terminar na escuridão ou ser engolido por ela. Poucos sequer olhavam para o caminho áspero. A maior parte das pessoas seguia de imediato pelo caminho belo, que parecia reto, mas dobrava à esquerda.
 
“Mestre, diga o significado deste símbolo. Por que todos escolhem o caminho suave, e ninguém tenta a trilha irregular?”
 
“Os sonhos nascem dos desejos que estão escondidos no coração. Quase todos querem ingressar no caminho, mas seguem a voz do desejo que é doce, dourado e encantador, e ilude os humanos. Este caminho está a serviço da alma. Quando os humanos aspiram ingressar no caminho, o desejo sonha com um caminho fácil.”
 
“Por que os Mestres e Gurus não os impedem de fazer isso, e não mostram a eles o caminho do dever?”
 
“É o Mestre no coração de cada um que oferece, a cada passo dado, o caminho áspero visto por você.”
 
“Os humanos não podem ver o caminho verdadeiro?”
 
“Eles veem, mas não pensam, por causa dos desejos ocultos no coração.”
 
“Por que os Mestres não falam, mostrando o caminho verdadeiro?”
 
“Em seus sonhos, o desejo, vestido com a luz de suas almas, parece a eles ser o Mestre, e a voz do Guru parece apenas um sonho difícil e sem sentimento.”
 
“Não se pode fazer alguma coisa para acordar estas almas envoltas pelas imagens do desejo?”
 
“Em seus sonhos eles escolhem sempre a estrada que parece bela e suave. Mas os milhares de desejos ferem seus pés. Então eles pensam, e escutam.”
 
“Ah”, disse Imri, “do mesmo modo como eu fiquei ferido e vim até você, meu Instrutor, no começo.”
 
“Eu estava com você, sempre”, respondeu o Guru, “porque seja qual for o caminho seguido pela humanidade, esse caminho é meu.”
 
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O conto “A Ilusão de Imri” foi publicado nos websites associados dia 24 de setembro de 2019. A história faz parte do volume “From the Book of Images”, de Dhan Gargya, The Cunningham Press, Los Angeles, Califórnia, EUA, 1947, 192 pp., ver pp. 29-33. Dhan Gargya é um pseudônimo literário usado por John Garrigues. A tradução ao português é de Carlos Cardoso Aveline.
 
A narrativa pode ser encontrada sem indicação de nome de autor na edição de abril de 1917 da revista “Theosophy”, de Los Angeles, cujo principal editor era Garrigues. Título original e link para o conto em inglês: “The Maya of Imri”.   
 
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