Pomba Mundo
 
Um Exame da Sabedoria Universal
Presente em Todas as Épocas e Nações  
 
 
Helena P. Blavatsky
 
 
o-que-e-teosofia
 
Helena Blavatsky: visão parcial de uma estátua feita por Alexey Leonov
 
 
 
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Nota Editorial de 2017:
 
O leitor deve levar em conta que a Sociedade
Teosófica original, mencionada no texto a seguir,  
deixou de existir poucos anos depois da morte de
Helena Blavatsky em 1891. Hoje o movimento teosófico
tem uma intensa variedade de agrupações e sociedades.
Há também diversas escolas de pensamento teosófico.
 
A Loja Independente de Teosofistas, LIT,  foi fundada
em 14 de setembro de 2016 e sua meta é trabalhar de
acordo com os ensinamentos originais de teosofia, que
não incluem o apego à letra-morta nem a mera repetição.
A pequena LIT afirma que as “Cartas dos Mahatmas
e as “Cartas dos Mestres de Sabedoria” estão entre
as obras mais importantes da tradição esotérica de todos
os tempos, porque oferecem aos buscadores uma chave de
interpretação que torna compreensível a literatura universal.
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
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O que é Teosofia? Esta questão tem sido levantada com tamanha frequência, e as concepções equivocadas predominam tão amplamente, que os editores de uma publicação dedicada a uma exposição da teosofia mundial seriam negligentes se o seu primeiro número fosse publicado sem produzir um completo esclarecimento para os seus leitores. Mas o nosso título implica duas outras questões: o que é a Sociedade Teosófica, e o que são os teosofistas? Será dada uma resposta a cada uma delas.
 
Segundo os lexicógrafos, o termo theosophia é composto de duas palavras gregas – theos, “deus”, e sophos, “sábio”. Até aqui, está correto. Mas as explicações que se seguem ficam longe de dar uma ideia clara do que é teosofia. O dicionário Webster a define, de modo muito original, como “o suposto contato com Deus e espíritos superiores e a consequente obtenção de conhecimento super-humano, por processos físicos, e através das operações teúrgicas de alguns antigos platônicos, ou pelos processos químicos dos filósofos-do-fogo alemães.”
 
Esta é, para dizer o mínimo, uma explicação precária e desrespeitosa. Atribuir tais ideias a homens como Amônio Saccas, Plotino, Jâmblico, Porfírio e Proclus é uma distorção intencional, ou revela a ignorância do sr. Webster a respeito da filosofia e das intenções dos grandes gênios da escola de Alexandria em sua fase posterior. Atribuir, a aqueles que eram descritos por seus contemporâneos e são vistos pela posteridade como “theodidaktoi” – alunos dos deuses -, a intenção de desenvolver as suas percepções psicológicas e espirituais por “processos físicos” é o mesmo que descrevê-los como materialistas. Quanto à ironia final, da referência aos filósofos-do-fogo, ela ricocheteia e atinge na verdade os nossos cientistas modernos mais destacados, aqueles a quem o Rev. James Martineau atribui a seguinte ideia: “tudo o que queremos é a matéria física; deem-nos átomos, apenas, e nós explicaremos o universo.”
 
Vaughan propõe uma definição muito melhor e mais filosófica. “Um teosofista” – diz ele – “é alguém que defende uma teoria de Deus ou das obras de Deus cuja base não é uma revelação, mas uma inspiração própria”. Deste ponto de vista, todo grande pensador e filósofo, especialmente cada fundador de uma nova religião, escola filosófica ou seita, é necessariamente um teosofista. Portanto, a teosofia e os teosofistas têm existido desde que o primeiro vislumbre de pensamento nascente fez o homem procurar instintivamente pelos meios para expressar as suas opiniões próprias e independentes.
 
Havia teosofistas antes da era cristã, apesar de os escritores cristãos atribuírem o desenvolvimento do sistema teosófico Eclético à primeira parte do século 3 desta era. Diógenes Laércio localiza a origem da Teosofia em uma época anterior à dinastia dos Ptolomeus; e diz que seu fundador foi um hierofante egípcio chamado Pot-Amun. O nome é copta, e significa “um sacerdote dedicado a Amun” – o deus da Sabedoria. Mas a história mostra que ela foi revivida por Amônio Saccas, o fundador da Escola Neoplatônica. Ele e os seus discípulos chamavam a si mesmos de “filaleteus”, amigos da verdade, enquanto outros os chamavam de “analogistas”, por causa do seu método de interpretar todas as lendas sagradas, mitos e mistérios simbólicos, por uma regra de analogia ou de correspondência, de modo que acontecimentos que haviam ocorrido no mundo externo eram vistos como expressões das operações e das experiências da alma humana.
 
A meta e o propósito de Amônio era reconciliar todas as seitas, todos os povos e todas as nações sob uma fé comum – a crença em um Poder Supremo, Eterno, Desconhecido e Sem Nome, que governa o Universo através de leis imutáveis e eternas. Seu objetivo era comprovar a existência de um sistema primitivo de teosofia, que no início era essencialmente semelhante em todos os países. Ele queria induzir todos os homens a deixar de lado suas discussões e brigas, e uni-los em pensamento e em propósito como filhos de uma mãe comum; e purificar as religiões antigas, gradualmente corrompidas e obscurecidas, libertando-as de toda escória de elementos humanos, unindo-as, e expondo-as com base em elementos puramente filosóficos.
 
Os sistemas budista, vedantino e magiano ou zoroastrista eram ensinados na Escola Teosófica Eclética junto com todas as outras filosofias de Grécia. Por isso, também, havia uma característica predominantemente budista e indiana entre os antigos teosofistas e em Alexandria, com uma devida reverência pelos seus pais e pelas pessoas de mais idade; com um afeto fraternal por toda a raça humana, e com um sentimento de compaixão até mesmo pelos animais mudos. Amônio buscava estabelecer um sistema de disciplina moral que ensinava às pessoas o dever de viver de acordo com as leis dos seus países respectivos, e de elevar suas mentes através da pesquisa e da contemplação da única Verdade Absoluta. Ao mesmo tempo, o seu principal objetivo, segundo ele pensava – e através do qual ele chegaria a todos os outros – era extrair dos ensinamentos das várias religiões, assim como se faz com um instrumento musical de muitas cordas, uma melodia completa e harmoniosa, capaz de provocar uma resposta em todo coração que ama a verdade.
 
A teosofia é, portanto, a Religião de Sabedoria dos tempos arcaicos, a doutrina esotérica conhecida em cada país antigo que pretendesse ser civilizado. Esta “Sabedoria” é mostrada por todos os escritos antigos como tendo emanado do Princípio divino; e a clara compreensão dela é tipificada em personagens tais como o Buddha indiano, o Nebo da Babilônia, o Tot de Mêmfis, o Hermes da Grécia, e através, também, de algumas deusas – Metis, Neitha, Atena, a Sophia gnóstica – e, finalmente, nos Vedas, termo que deriva da palavra “saber”. Sob esta designação, “sabedoria”, todos os filósofos antigos do Oriente e do Ocidente, os Hierofantes do antigo Egito, os Rishis de Aryavart [1], os Theodidaktoi da Grécia, incluíam todo o conhecimento das coisas ocultas e essencialmente divinas. A Mercabá [2] dos rabinos hebreus, em seu ensinamento secular e popular, era por isso designada como apenas o veículo, a casca externa, que continha o conhecimento esotérico mais elevado. Os Magos de Zoroastro recebiam instrução e eram iniciados em cavernas e lojas secretas da Báctria [3]; os hierofantes egípcios e gregos tinham os seus apporrheta, ou discursos secretos, durante os quais o Mysta se tornava um Epopta – um vidente.
 
A ideia central da Teosofia Eclética era a ideia de uma só Essência Suprema, Desconhecida e Incognoscível, porque, “de que modo alguém poderia conhecer o Conhecedor?”, segundo indaga o Brihadaranyaka Upanixade. O seu sistema tinha três características nítidas: a teoria da Essência mencionada acima; a doutrina da alma humana – uma emanação da Essência, e portanto tendo a mesma natureza – e a sua teurgia. É esta última ciência que levou os neoplatônicos a serem vistos de maneira distorcida em nossa era de ciência materialista. Como a teurgia era essencialmente a arte de usar os poderes divinos do homem para a dominação das forças cegas da natureza, os seus praticantes foram inicialmente chamados de mágicos – uma derivação da palavra “Magh”, que significa um homem sábio, erudito – e desprezados. Os céticos de um século atrás teriam cometido o mesmo erro se rissem da ideia de um fonógrafo ou um telégrafo. Aqueles que são ridicularizados e chamados de “infiéis” por uma geração se tornam os homens sábios e os santos da geração seguinte.
 
Em relação à essência Divina e à natureza da alma e do espírito, a teosofia moderna pensa hoje o mesmo que a teosofia antiga pensava. O popular Diu das nações arianas era idêntico ao Iao dos caldeus, e mesmo ao Júpiter dos romanos que eram menos cultos e menos filosóficos; e era igualmente idêntico ao Jahvé dos Samaritanos, o Tiu ou “Tiusco” dos homens do norte, o Duw dos britânicos, e o Zeus dos trácios. Quanto à Essência Absoluta, o Uno e o todo – o resultado será o mesmo, quer nós aceitemos a filosofia grega pitagórica, a filosofia cabalística dos caldeus, ou a filosofia ariana. A mônada primordial do sistema pitagórico, que se retira à escuridão e que é, ela própria, a escuridão (para o intelecto humano) é vista como a base de todas as coisas; e podemos encontrar esta ideia, integralmente, nos sistemas filosóficos de Leibnitz e Spinoza. Portanto, o teosofista pode concordar com a Cabala, que, referindo-se a Ain-Soph, propõe a pergunta: “Quem, então, pode compreender Isso, já que Isso não tem forma e é não-existente?”
 
O teosofista pode lembrar igualmente daquele hino magnífico do Rig-Veda (Hino número 129, Livro Dez), e perguntar:
 
“Quem sabe de onde surgiu esta grande criação?
Se a sua vontade a criou ou não,
Só ele sabe – ou talvez nem Ele mesmo saiba.”
 
O teosofista pode também aceitar a concepção vedantina de Brahma, que nos Upanixades é representado como “sem vida, sem mente, puro”, inconsciente, porque – Brahma é “Consciência Absoluta”. Ele pode ainda ficar ao lado dos Svabhavikas do Nepal, e sustentar que nada existe exceto “Svabhavat” (substância ou natureza), que existe por si mesmo e sem nenhum criador.
 
Qualquer uma das concepções acima só pode levar à pura e absoluta Teosofia – aquela teosofia que levou homens como Hegel, Fichte e Spinoza a assumir as metas dos velhos filósofos gregos e especular sobre a Substância Única – a Divindade, o Todo Divino que surge da Sabedoria Divina e que é incompreensível, desconhecido e sem nome, segundo ensinam todas as filosofias religiosas, antigas e modernas, com as exceções do cristianismo e do islamismo.
 
Todo teosofista, portanto, havendo adotado uma teoria da Divindade “que não tem como base uma revelação, mas sim uma inspiração dele próprio”, pode aceitar qualquer uma das definições acima e pertencer a qualquer uma destas religiões, e ao mesmo tempo permanecer estritamente dentro dos limites da teosofia. Porque a teosofia é a crença na Divindade como o TODO, como a fonte de toda existência, como o infinito que não pode ser nem compreendido nem conhecido; e só o Universo pode revelar Isso, ou, como alguns preferem, só o universo pode fazer com que Ele seja revelado, atribuindo-se assim um sexo a algo que é uma blasfêmia antropomorfizar.
 
É verdade que a Teosofia evita a brutal materialização. Ela prefere acreditar que, estando retirado dentro de si mesmo desde a eternidade, o Espírito da Divindade nem deseja nem cria, mas que, com base no infinito resplendor que alcança todos os lugares desde o Grande Centro, aquilo que produz todas as coisas visíveis e invisíveis é apenas um Raio contendo em si o poder de conceber e gerar, e que esse raio produz, por sua vez, o que os gregos chamaram de Macrocosmo, que os cabalistas chamaram de Tikkun ou Adão Cadmon – o homem arquetípico – e os arianos [4] chamaram de Purusha, o Brahm manifesto, ou Macho Divino. A teosofia também acredita na Anastasis ou existência continuada, e na transmigração (evolução), uma série de mudanças na alma [5] que pode ser explicada e defendida com base em princípios estritamente filosóficos, estabelecendo apenas uma distinção entre Paramatma (alma transcendental, sublime) e Jivatma (alma animal, ou consciente) do sistema dos Vedantinos.
 
Para definir plenamente Teosofia, devemos considerá-la em todos os seus aspectos. O mundo interior não foi ocultado de todos por alguma escuridão impenetrável. A intuição mais elevada pode ser obtida através da Theosophia ou conhecimento divino, que leva a mente desde o mundo da forma até o mundo do espírito sem forma. Através dessa intuição, o homem tem sido capaz, em todas as épocas e todos os países, de perceber às vezes coisas no mundo interior ou invisível. Em consequência disso, o “Samadhi” ou Dyan Yog Samadhi [6] dos ascetas hindus; o “Daimonion-photi” ou iluminação espiritual dos neoplatônicos; a “confabulação sideral da alma” dos rosacruzes ou filósofos-do-fogo; e até mesmo o transe em êxtase dos místicos e dos modernos mesmeristas e espíritas são substancialmente idênticos, embora suas manifestações externas sejam variadas.
 
A busca pelo “eu” mais divino do homem, tão frequente e tão erradamente interpretada como uma comunhão do indivíduo com algum Deus pessoal, era o objetivo de todo místico. A crença na sua viabilidade parece ter sido simultânea com a origem da humanidade. Cada povo deu a isso um nome diferente. Assim, Platão e Plotino chamam de “trabalho noético” aquilo que o iogue e o shrotriya chamam de Vidya. “Através da reflexão, do autoconhecimento e da disciplina intelectual, a alma pode ser elevada até a visão da verdade, da bondade e da beleza eternas – ou seja, até a Visão de Deus – e isso é a epopteia”, diziam os gregos. “Unir a sua própria alma à Alma Universal”, diz Porfírio, “requer apenas uma mente perfeitamente pura. Através da autocontemplação, de uma perfeita castidade e pureza do corpo, podemos chegar mais perto Disso, e receber, em tal estado, um conhecimento verdadeiro e uma compreensão maravilhosa”. E Swami Dayanand Saraswati, que não leu Porfírio nem outros autores gregos, mas é um profundo conhecedor dos Vedas, diz em seu Veda Bhashya (ospana prakaru ank. 9): “Para obter Diksh (uma alta iniciação) e alcançar a Ioga, o indivíduo deve ter uma prática de acordo com as regras (…….). A alma no corpo humano pode realizar as maiores maravilhas através do conhecimento do Espírito Universal (ou Deus) e pode familiarizar-se com as propriedades e qualidades (ocultas) de todas as coisas do universo. Um ser humano (um Dikshit ou iniciado) pode deste modo obter o poder de ver e ouvir a grandes distâncias.” 
 
Finalmente, Alfred R. Wallace, F.R.S. [7], um espiritualista e, no entanto, confessadamente um grande naturalista, afirma com uma corajosa franqueza: “É apenas o ‘espírito’ que sente, e percebe, e pensa – é ele que adquire conhecimento, e raciocina, e tem aspirações ……. com alguma frequência, surgem indivíduos constituídos de tal forma que o espírito pode ter percepções independentemente dos órgãos corporais dos sentidos, ou pode, talvez, totalmente ou em parte, sair do corpo por algum tempo e voltar para ele outra vez ……. o espírito ……. se comunica com o espírito mais facilmente que com a matéria.”
 
Agora que há milhares de anos separando a época dos Gimnosofistas [8] da nossa era altamente civilizada, podemos ver como, apesar ou talvez por causa da radiância que lança sua luz igualmente sobre os reinos físicos e psicológicos da natureza, mais de vinte milhões de pessoas hoje acreditam, sob uma forma diferente, naqueles mesmos poderes espirituais em que os iogues e os pitagóricos acreditavam cerca de três mil anos atrás. Assim, o místico ariano reivindicava para si mesmo o poder de resolver todos os problemas da vida e da morte, quando ele obtinha o poder de agir independentemente do seu corpo através de Atman – o “eu” ou a “alma”. Ao mesmo tempo, os gregos antigos buscavam Atmu – aquele que é Oculto, a Alma Divina do homem, com o espelho simbólico dos mistérios Tesmoforianos [9]. Do mesmo modo, os espíritas de hoje acreditam na habilidade dos espíritos, ou almas das pessoas desencarnadas, de comunicar-se de modo visível e tangível com aqueles que eles amavam na terra. E todos estes, os iogues arianos, os filósofos gregos e os espíritas modernos, afirmam esta possibilidade com base no fato de que a alma encarnada e o seu espírito nunca incorporado – o verdadeiro eu – não estão separados, pelo espaço, nem da Alma Universal nem dos outros espíritos, mas estão separados apenas pela diferença das suas qualidades; porque, na extensão sem fronteiras do universo, não pode haver limitação. E afirmam que esta diferença pode ser removida, através da contemplação abstrata, segundo os gregos e arianos – o que produz uma libertação temporária da Alma prisioneira – e através da mediunidade, de acordo com os espíritas. Uma vez que esta diferença seja removida, a união entre espíritos encarnados e desencarnados se torna possível.
 
Era deste modo que os iogues de Patañjali e, seguindo os seus passos, Plotino, Porfírio e outros neoplatônicos, diziam que em suas horas de êxtase eles se haviam unido a Deus, ou, mais precisamente, se haviam tornado um com Deus por diversas vezes ao longo das suas vidas. Esta ideia, embora pareça errada quando aplicada ao Espírito Universal, era, e é, defendida por um número tão grande de filósofos notáveis que não pode ser catalogada como inteiramente quimérica. No caso dos Theodidaktoi, o único ponto controvertido, o ponto escuro nesta filosofia de extremo misticismo, era a sua tentativa de classificar aquilo que é simplesmente a iluminação do êxtase como uma percepção sensória. No caso dos Iogues, que sustentavam ser capazes de ver Ishwara “frente a frente”, esta alegação foi corretamente derrubada pela lógica severa de Kapila. Uma ideia similar é sustentada em relação a seus seguidores gregos e a uma longa sucessão de místicos cristãos e, finalmente, também em relação aos dois últimos defensores da ideia de que haviam tido uma “Visão de Deus” dentro destes duzentos anos mais recentes – Jacob Boehme e Swedenborg. Esta pretensão deveria ter sido questionada, e teria sido de fato questionada do ponto de vista filosófico e do ponto de vista lógico, se alguns dos nossos grandes cientistas que são espíritas tivessem tido mais interesse em filosofia do que nos meros fenômenos do espiritismo.
 
Os teosofistas de Alexandria estavam divididos em neófitos, iniciados e mestres, e as suas regras eram copiadas dos antigos Mistérios de Orfeu, que, segundo Heródoto, os trouxe da Índia. Amônio exigia dos seus discípulos, através de um juramento, que não divulgassem as suas doutrinas mais elevadas, exceto para aqueles que houvessem demonstrado ser completamente dignos delas, que fossem iniciados, e que houvessem aprendido a ver os deuses, anjos e demônios dos outros povos de acordo com a hyponia esotérica, o significado subjacente. “Os deuses existem, mas eles não são os que os hoi polloi, a multidão destituída de educação, pensa que eles são”, escreveu Epicuro. “Aquele que nega a existência dos deuses adorados pela multidão não é um ateu; o ateu é aquele que amarra a tais deuses a opinião da multidão”. Por sua vez, Aristóteles declara que, no que diz respeito à “Essência Divina que permeia todo o mundo da natureza, aqueles que são apresentados como deuses são, simplesmente, os princípios primordiais.”
 
Plotino, o discípulo de Amônio “aluno de Deus”, afirma que a gnose secreta ou conhecimento da Teosofia tem três graus: a opinião, a ciência e a iluminação. “O meio ou instrumento do primeiro são os sentidos, ou a percepção; do segundo, é a dialética; do terceiro, é a intuição. A razão é subordinada à intuição; esta última é conhecimento absoluto, fundado na identificação da mente com o objeto conhecido.”
 
A teosofia é a ciência exata da psicologia, de certo modo. Ela está para a mediunidade natural, não-cultivada, assim como o conhecimento de um Tyndall [10] está para o conhecimento de um aluno de escola primária, a respeito de Física. Ela desenvolve no homem uma visão direta; aquilo que Schelling denomina de “uma compreensão, no indivíduo, da identidade do sujeito com o objeto”; de modo que sob a influência e o conhecimento da hyponia [11] o homem produz pensamentos divinos, vê todas as coisas como elas realmente são, e, finalmente, “se torna um receptáculo da Alma do Mundo” para usar uma das imagens mais brilhantes de Emerson. “Eu, o imperfeito, adoro o meu próprio perfeito”, diz ele em seu excelente ensaio sobre a Alma Maior (“Oversoul”). Além deste estado psicológico ou estado de alma, a teosofia cultivava todas as áreas das ciências e das artes. Ela estava completamente familiarizada com o que agora é conhecido como mesmerismo. A teurgia prática ou “magia cerimonial”, à qual o clero católico romano recorre com tanta frequência nos seus exorcismos – era deixada de lado pelos teosofistas. Foi apenas Jâmblico que, transcendendo os outros Ecléticos, acrescentou à teosofia a doutrina da teurgia.
 
Quando ignora o verdadeiro significado dos símbolos esotéricos e divinos da natureza, o homem tende a calcular erradamente os poderes da sua alma, e, ao invés de comunicar-se espiritual e mentalmente com os seres mais elevados e celestiais, os bons espíritos (os deuses dos teurgistas da escola platônica) ele inconscientemente evoca os poderes maus, escuros, que estão à espreita em torno da humanidade – as criações imorredouras, desagradáveis, de crimes e vícios humanos – e assim caem da teurgia (magia branca) na goetia [12] (ou magia negra, feitiçaria). No entanto, nem a magia branca nem a magia negra são o que a superstição popular entende por estes termos. A possibilidade de “evocar espíritos” de acordo com a chave de Salomão é o ponto mais alto da superstição e da ignorância. Só a pureza de ações e de pensamento pode erguer-nos até o contato “com os deuses” e trazer até nós a meta que desejamos. A alquimia, que é considerada por tantos como tendo sido ao mesmo tempo uma filosofia espiritual e uma ciência física, pertencia aos ensinamentos da escola teosófica.
 
É um fato perceptível que nem Zoroastro, nem Buddha, Orfeu, Pitágoras, Confúcio, Sócrates ou Amônio Saccas escreveram coisa alguma. A razão disso é óbvia. A teosofia é uma arma de dois gumes, e é inadequada para o ignorante e para o egoísta. Como toda filosofia antiga, ela tem os seus seguidores entre os modernos. Mas, até recentemente, os seus discípulos eram poucos em número, e eram das mais variadas seitas e opiniões. “Inteiramente especulativos, e não tendo fundado escola alguma, eles exerceram ainda assim uma influência silenciosa sobre a filosofia; e, sem dúvida, no momento certo, muitas ideias assim propostas silenciosamente poderão no entanto dar novos direcionamentos ao pensamento humano” – escreve o sr. Kenneth R.H. Mackenzie XI, ele próprio um místico e um teosofista, em sua grande e valiosa obra “The Royal Masonic Cyclopaedia” (Enciclopédia Real Maçônica) (ver artigos intitulados “Theosophical Society of New York” e “Theosophy”, p. 731). [13]
 
Desde os dias dos filósofos-do-fogo, eles nunca se haviam organizado em sociedades, porque eram caçados pelo clero cristão como se fossem animais selvagens, e, até um século atrás, ser conhecido como um Teosofista frequentemente significava o mesmo que uma condenação à morte.
 
As estatísticas mostram que, durante um período de 150 anos, não menos que 90 mil homens e mulheres foram queimados na Europa, com base em alegações de feitiçaria. Só na Grã-Bretanha, entre o ano de 1640 e o ano de 1660, apenas vinte anos, três mil pessoas foram mortas por supostos pactos com o “Demônio”. Foi apenas na parte final deste século – em 1875 – que alguns místicos e espíritas avançados, insatisfeitos com as teorias e explicações do espiritismo, e vendo que elas estavam longe de cobrir todo o campo de fenômenos, formaram em Nova Iorque, na América do Norte, uma associação que é agora amplamente conhecida como Sociedade Teosófica.
 
NOTAS:
 
[1] Aryavart – a Índia. (CCA)
 
[2] Mercabá – a sabedoria secreta; literalmente, “o veículo”. (CCA)
 
[3] Báctria – antigo país no oeste da Ásia. Seu território hoje está no Afeganistão, no Tadjiquistão e no Uzbequistão. (CCA)
 
[4] Os arianos são os indianos. Um nome nativo e antigo do país é Aryavart. (CCA)
 
[5] [Nota de H.P. Blavatsky:] Em uma série de artigos intitulados “Os Grandes Teosofistas do Mundo”, nós pretendemos mostrar que desde Pitágoras, que obteve sua sabedoria na Índia, até os nossos melhores filósofos e teosofistas modernos – David Hume, e Shelley, o poeta inglês, e inclusive os espíritas da França – muitos acreditaram e ainda acreditam na metempsicose ou reencarnação da alma; embora o sistema dos espíritas possa ser considerado bastante tosco. 
 
[6] Dyan Yog Samadhi – o êxtase (samadhi) da Jnana Ioga. (CCA)
 
[7] F.R.S. – Fellow of the Royal Society, membro da Sociedade que congregava os cientistas, na Inglaterra. (CCA) 
 
[8] [Nota de H.P. Blavatsky:] A autenticidade dos poderes da Ioga era defendida por muitos escritores gregos e romanos, que chamavam os Iogues de Gimnosofistas indianos. Entre eles, Strabo, Lucan, Plutarco, Cícero (em “Tusculum”), Plínio (VII, 2), etc.
 
[9] Tesmoforianos – de Tesmofória, um festival de Mistérios celebrado em Atenas, em Abdera e possivelmente também em Esparta, em homenagem à deusa da Justiça, da Lei e da Ordem, Demeter-Tesmófora. (“Encyclopedic Theosophical Glossary”, T.U.P., Pasadena.) (CCA)
 
[10] Tyndall – Cientista famoso da segunda metade do século 19. (CCA)
 
[11] Hyponia – o significado subjacente às palavras; a compreensão esotérica, universal, conforme foi colocado dois parágrafos acima. (CCA)
 
[12] Goetia – feitiçaria. Do grego, “goes”, feiticeiro, “aquele que encanta”. (“Encyclopedic Theosophical Glossary”, TUP, Pasadena). (CCA)
 
[13] [Nota de H.P. Blavatsky:] “The Royal Masonic Cyclopaedia of History, Rites, Symbolism, and Biography”. Edited by Kenneth R.H. Mackenzie XI (Cryptonymous), Hon. Member of the Canongate Kilwinning Lodge, number 2, Scotland. New York, J. W. Bouton, 706, Broadway, 1877.
 
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O texto acima foi traduzido da coletânea em três volumes “Theosophical Articles”, de Helena P. Blavatsky, Theosophy Company, Los Angeles, 1981, vol. I, 511 pp., pp. 39-47. Ele foi publicado pela primeira vez no número um, ano I, da revista “The Theosophist”, fundada por Helena Petrovna Blavatsky na Índia em Outubro de 1879.
 
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