Ou, Como Passar a Ser um “Ex-Tímido”
Jean des Vignes Rouges
Você sente, às vezes – ou talvez com frequência -, uma espécie de preocupação sem motivo antes de agir? Não se trata da prudência legítima do homem que avança experimentando o terreno, ou que domina a sua impulsividade perguntando a si mesmo: “Não vou fazer uma estupidez?” Não. É a sensação de estar preso, no limiar da ação, por uma força misteriosa, uma preocupação sem origem clara. Você pensa: “É nervosismo!” E às vezes esta palavra simples, que parece dar uma explicação, é o suficiente para tranquilizá-lo. Porém, em outras circunstâncias, você se sente realmente amarrado e paralisado. Você descreve esse medo como algo inútil e ridículo, fica com raiva de si mesmo, mas estas reações não dão resultado.
Ocorre também que, ao examinar a trajetória da sua vida, você percebe com amargura até que ponto essa inclinação de caráter tem sido prejudicial. Você lembra de uma certa ocasião do passado em que acreditava estar evitando uma decisão ousada e até precipitada; e agora percebe que na verdade lhe faltou audácia, que você não olhou longe o suficiente, e não teve uma meta suficientemente alta. Quantas oportunidades favoráveis você deixou escapar! Você diz: “É mais um obstáculo criado pelo meu excesso de modéstia! Nunca penso grande o suficiente… Tenho sempre medo de ousar!…”.
De onde vem esse receio latente, que é tão prejudicial? Muitas vezes, ele é o resultado do que se chama em psicanálise de trauma infantil. Por exemplo: uma criança é criada num ambiente familiar que é cheio de dramas, ou que ela considera cheio de dramas. Seus pais brigam intensamente, só se fala, na sua casa, de preocupações, de situações lamentáveis, de desastres e fatos negativos; a mãe, nervosa, não pára de se lamentar e reclamar; o pai reage com raiva e com violência. Para piorar a situação às vezes acontece que, nesta família, é um costume tradicional “educar” os filhos assustando-os com ameaças, com castigos, ou com histórias que usam a ideia de um bicho-papão, de um lobisomem ou de bruxas cruéis, para manter a criança aterrorizada.
Qual é o resultado desta situação? Aos olhos do adulto, isso é normal, ou quase. Afinal de contas, não existem “cenas desagradáveis” em todas as famílias? Cada família tem os seus problemas! Quanto aos “medos” que provocamos nas crianças para obrigá-las a obedecer, são apenas emoções passageiras, rapidamente esquecidas.
Às vezes, este otimismo por parte dos pais é correto. Mas em outros casos a criança leva muito a sério todos os motivos do medo que a paralisa. Ela sente uma emoção que estabelece, no seu subconsciente, um “complexo de medo”.
Mais tarde, se esta criança tiver boa saúde, o impulso vigoroso da vida fará com que desapareçam as imagens paralisantes, e surgirá um homem que confessa, dando uma risada: “Sou um ex-tímido”. E, ao chegar à velhice, talvez ele redescubra a sua timidez infantil.
Se a criança não tiver um temperamento suficientemente vigoroso, porém, o seu complexo de medo pode resultar em uma instabilidade mental (ver esta palavra) [1], ou então numa timidez especial cuja base é o medo latente. É esta última situação que eu quero examinar aqui. Nas pessoas deste tipo – e elas são numerosas – há uma disposição permanente para sentir uma insegurança instintiva diante dos acontecimentos mais banais. O caráter do indivíduo permaneceu impregnado de medo; ficou distorcido; foi formado de uma maneira infeliz.
Na maior parte dos casos, a pessoa cujo caráter sofreu esta malformação durante a infância nem sequer suspeita do fato. Ela obedece com docilidade aos hábitos criados pelo seu medo, sem procurar compreendê-los. Ou ela os interpreta à sua maneira, com falsas explicações. Veja por exemplo o que dizem os maníacos para justificar as suas manias, as suas fobias, os seus tiques nervosos! O caráter infantil e fantasioso das suas explicações é evidente para todos, exceto para eles. Na verdade, em inúmeras situações as fobias, as repugnâncias diante de alimentos e a rejeição de ações que precisam ser realizadas são manifestações de uma tendência especial para ter medo, que foi criada e desenvolvida durante a infância.
Os mecanismos produtores de medo, instalados na alma da criança, têm importância considerável na sua vida adulta. Devemos estar conscientes de que a forma como nós vemos o futuro é o resultado de “moldes mentais” estabelecidos em nós durante o passado. Nossas lembranças criam uma predisposição para esperar acontecimentos futuros que sejam semelhantes aos fatos vivenciados antes. A nossa visão de futuro é muitas vezes uma réplica do passado. Nós fomos oprimidos por dificuldades e provações, em tempos anteriores? Temos então uma tendência de preparar-nos para receber novos golpes. Isso resulta em sentimentos e ações que nos parecem normais, porque nos são sugeridos por um tipo de mundo subconsciente que a nossa razão não busca controlar de maneira voluntária.
Portanto, se através de uma análise cuidadosa você notar em si mesmo a presença de medos injustificados, de uma incapacidade de ter ousadia, de sentimentos de medo e preocupação inexplicáveis que paralisam a sua atividade, pergunte-se, então, se não é o seu inconsciente que, sem o seu conhecimento, considera o momento atual igual a uma outra situação, que parece semelhante, mas foi vivida na sua infância, quando reinava o medo.
O simples ato de se fazer essa pergunta pode lançar um raio de luz sobre os fatos e desmanchar em você os fantasmas desagradáveis, os pressentimentos incômodos, as reminiscências prejudiciais.
É preciso reconhecer, além disso, que às vezes estas “ideias fixas”, típicas de uma forma infantil de medo, estão estabelecidas com tamanha força que é difícil fazer com que desapareçam. Há grupos de neurônios que se acostumaram, sem dúvida, a trabalhar juntos e estão indissoluvelmente ligados a este estado medroso de consciência. O corpo fica então “em sintonia” com todas as causas possíveis de medo. O corpo reage com receio a todas as novas impressões, e faz isso apesar da resistência da razão, que, aliás, quase sempre chega tarde demais à cena.
No entanto, aquele que sofre com o “complexo de medo latente” não tem motivos para desanimar. Ao repetir para si mesmo que a sua condição de medo é resultado de um passado doloroso, acabará despertando em si mesmo um estado de desconfiança automática que, espontaneamente, destruirá os motivos que a vida lhe apresenta para ter medo. Em muitas circunstâncias, o sujeito, quando ficar assustado, pensará de imediato:
“Então! Aqui estão os mesmos fantasmas de sempre; e eles querem dominar minha mente; mas agora não me assustam mais!..”
Talvez este ato reflexo do pensamento crítico não seja suficiente para derrotar o medo. Porém, mesmo neste caso ele será um freio que manterá o receio dentro de certos limites, tornando-o inofensivo. Assim, a pessoa pode acostumar-se a agir sem levar em conta a preocupação. O complexo de medo talvez continue a zumbir no seu subconsciente: mas o “ex-tímido” irá considerar insignificantes esses ecos inúteis de um passado doloroso.
NOTA:
[1] Veja a palavra «Instabilité» no livro «Dictionnaire de la Volonté», de Jean des Vignes Rouges, Éditions J. Oliven, Paris, 1945, pp. 183-188. (CCA)
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Jean des Vignes Rouges é o pseudônimo literário do militar e autor francês Jean Taboureau (1879-1970).
Lembre-se de que você pode aplicar em sua vida, quantas vezes quiser e quantas vezes forem necessárias, o exercício prático recomendado por JVR nos parágrafos finais do artigo acima.
“O Medo Latente” foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia 06 de julho de 2024. Trata-se da tradução de um artigo do livro «Dictionnaire de la Volonté», de Jean des Vignes Rouges, Éditions J. Oliven, Paris, 320 pp., 1945, pp. 239-241. Veja o texto original em francês: “La Peur Latente”. A tradução é de CCA.
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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