Pomba Mundo
 
Os Mestres e o Espírito Deles Foram
Banidos de Adyar Ainda Durante a Vida de HPB
 
 
Helena P. Blavatsky
 
 
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H. P. Blavatsky (1831-1891)
 
 
 
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Nota Editorial:
 
Este testemunho impressionante é um estudo
sobre como a lealdade enfrenta a traição, e foi
escrito em abril de 1890 pela fundadora do
movimento teosófico.  O título original é: “Why I
Do Not Return to India”.  O documento constitui
uma Carta Aberta que deveria ser distribuída a todos
os teosofistas indianos. No entanto, a Carta foi ocultada
e permaneceu  em segredo durante 32 anos, fato que
também aumenta a gravidade do seu conteúdo.
 
Depois de ser escondido durante décadas, o texto foi
publicado em “The Theosophist”, em Adyar, Índia, em
janeiro de 1922.  “Why I Do Not Return to India” está
incluído em “Theosophical Articles”, de Helena P.
Blavatsky, Theosophy Company, Los Angeles, 1981,
edição em três volumes, veja o volume I, pp. 106-114.
O texto também pode ser encontrado nos “Collected
Writings” de HPB, TPH, EUA, vol. XII, pp. 156-167.
 
A palavra “Aryavarta”, que aparece na abertura
da carta aberta, é o nome tradicional da Índia. Em
sânscrito, o termo significa literalmente “terra dos
Árias”, isto é, “a terra dos nobres”,  a terra dos sábios.
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
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“… E tampouco posso – se eu
quiser ser fiel ao meu compromisso e
aos meus votos de vida inteira – viver na
Sede Geral da qual os Mestres e o espírito
Deles foram virtualmente banidos. A presença
dos Seus retratos não ajudará. Eles são letra morta.”
 
H.P. Blavatsky em “Por Que Não Volto à Índia”
 
 
 
A MEUS IRMÃOS DE ARYAVARTA,
 
Em abril de 1890 completaram-se cinco anos desde que deixei a Índia.
 
Muitos de meus irmãos hindus demonstraram grande amabilidade para comigo por diversas vezes desde que parti; especialmente neste ano (1890), quando, quase mortalmente doente, recebi de várias Lojas  indianas cartas de simpatia e afirmações de que eles não esqueceram daquela que amou a Índia e o povo hindu mais do que o seu próprio país,  durante a maior parte de sua vida.
 
É, portanto, meu dever explicar por que não volto para a Índia, e a minha atitude com relação à nova fase na história da S.T., aberta desde que eu formalmente assumi a direção do Movimento Teosófico na Europa.  Porque não é apenas por causa da minha má saúde que não retorno à Índia. Aqueles que me salvaram da morte em Adyar, e em mais duas oportunidades desde então, poderiam facilmente me manter viva lá, como Eles me mantêm viva aqui. Há uma razão muito mais séria. Uma linha de conduta foi traçada para mim aqui, e encontrei, entre ingleses e norte-americanos, aquilo que inutilmente busquei na Índia.
 
Na Europa e na América, durante os últimos três anos, encontrei centenas de homens e mulheres que têm a coragem de declarar sua convicção sobre a realidade da existência dos Mestres, e que estão trabalhando pela Teosofia conforme as Suas linhas de ação e sob Sua orientação, dadas através da minha humilde pessoa.
 
Na Índia, por outro lado, desde minha partida, o verdadeiro espírito de devoção aos Mestres e a coragem de expressá-lo com franqueza tem diminuído constantemente. Mesmo em Adyar, crescente luta e conflito ocorreram entre personalidades; uma animosidade sem motivo e não merecida – quase ódio – foi expressada contra mim por alguns membros da equipe. Parece que tem acontecido alguma coisa estranha e sinistra em Adyar durante esses últimos anos.  Tão logo um europeu, com as melhores inclinações teosóficas, muito devotado à Causa e amigo pessoal meu ou do Presidente, coloca os seus pés na Sede Geral,  ele se torna um inimigo pessoal de um ou outro de nós e, o que o é pior, termina por prejudicar e abandonar a Causa.
 
Que fique claro, desde logo, que não acuso ninguém. Sabendo o que sei sobre a atividade das forças do Kali Yuga,  que agem  para obstaculizar e arruinar o Movimento Teosófico, não considero aqueles que se tornaram um após o outro meus inimigos – e isso sem qualquer falha da minha parte – como eu poderia considerá-los, se a situação fosse diferente.  
 
Um dos fatores principais no redespertar de Aryavarta, que tem sido parte do trabalho da Sociedade Teosófica, foi o ideal dos Mestres. Mas devido à falta de critério, de discrição e discernimento, e devido às liberdades tomadas em relação a Seus nomes e suas Personalidades, surgiu uma imagem Deles completamente distorcida. Eu estava sob o mais solene compromisso e juramento de nunca revelar toda a verdade a ninguém, exceto àqueles que, como Damodar, haviam sido definitivamente selecionados e chamados por Eles.  Tudo que eu podia revelar na época era que, em algum lugar, existiam tais grandes homens; que alguns Deles eram hindus; que Eles conheciam como ninguém toda a sabedoria antiga de Gupta Vidya e que haviam obtido todos os Siddhis, não como os Siddhis são representados na tradição e nas “alegorias feitas para despistar”, presentes nos escritos antigos, mas como são de fato e na realidade; e também, que eu era um Chela de um Deles. No entanto, surgiram em seguida na imaginação de alguns hindus as fantasias mais extremas e ridículas em relação a Eles. Referiam-se a Eles como “Mahatmas”, e alguns amigos excessivamente entusiasmados  os depreciaram com estranhos retratos imaginários; nossos oponentes, descrevendo um Mahatma como um completo Jivanmukta, disseram que, como tal, Ele estava impedido de se comunicar com quaisquer pessoas vivas do mundo. Eles também afirmaram que, como esta é a Kali Yuga, era totalmente impossível que pudesse haver algum Mahatma  na era atual.
 
Apesar dessas primeiras interpretações erradas, a ideia dos Mestres e a crença Neles deram bons frutos na Índia. O principal desejo Deles era preservar o verdadeiro espírito religioso e filosófico da Índia antiga; defender a Sabedoria antiga contida em seus Darshanas e Upanixades contra os ataques sistemáticos dos missionários, e, finalmente, fazer renascer o espírito patriótico e ético adormecido nos jovens, nos quais esse espírito quase tinha desaparecido devido à educação universitária.  Muito disso foi conseguido pela, e através da, Sociedade Teosófica, apesar de todos seus erros e imperfeições.
 
Se não fosse pela Teosofia, teria a Índia o seu Tukaram Tatya, fazendo o inestimável trabalho que ele faz e que ninguém na Índia pensou em fazer antes?  Sem a Sociedade Teosófica, teria a Índia alguma vez pensado em arrancar das mãos dos eruditos Orientalistas não espirituais o dever de reviver, traduzir e publicar os Livros Sagrados do Oriente, de popularizá-los e vendê-los por um preço muito mais barato, e ao mesmo tempo de forma muito mais correta do que jamais foi feito em Oxford? Teria o nosso próprio irmão Tukaram Tatya, devotado e respeitado, pensado alguma vez em fazê-lo, se ele não tivesse entrado para a Sociedade Teosófica?  O Congresso político indiano teria sido uma possibilidade, sem a Sociedade Teosófica? E o mais importante de tudo, pelo menos um, entre vocês, teve um completo benefício através dela; e se a Sociedade não tivesse dado à Índia nada mais que esse futuro Adepto (Damodar) [1]  que agora tem a perspectiva de um dia tornar-se um Mahatma, apesar do Kali Yuga, só isso já  seria prova de que a Sociedade não foi fundada em Nova York e transferida para a Índia em vão.  Finalmente, se alguém entre os trezentos milhões de pessoas da Índia pode demonstrar, com provas, que a Teosofia, a S.T., ou mesmo minha humilde pessoa, foram instrumentos para causar o menor dano, tanto ao país como a qualquer hindu, ou que os Fundadores ensinaram doutrinas perniciosas ou deram maus conselhos – então, e só então, pode ser atribuído a mim, como um crime, o fato de ter revelado o ideal dos Mestres e fundado a Sociedade Teosófica.
 
Sim, meus bons e inesquecíveis irmãos hindus, só o nome dos Mestres sagrados, que tempos atrás era invocado com orações e pedidos de bênçãos de um extremo a outro da Índia –  apenas o nome Deles já causou uma grande mudança para melhor em sua terra. Não é ao coronel Olcott nem a mim que vocês devem alguma coisa, mas verdadeiramente àqueles nomes que, só alguns anos atrás, tornaram-se palavras familiares em suas bocas.
 
Foi assim que, enquanto permaneci em Adyar, as coisas foram bastante fáceis, porque um ou outro dos Mestres estava quase sempre entre nós, e o espírito deles protegia a Sociedade Teosófica de danos reais. Mas em 1884, Coronel Olcott e eu partimos para uma visita à Europa, e enquanto estávamos fora caiu o “raio e trovão” dos Padres e dos Coulomb.[2]  Retornei em novembro e fiquei perigosamente doente. Foi durante este tempo e durante a ausência do Coronel Olcott na Birmânia [3]  que as sementes de todas as discórdias futuras e – deixe-me dizer de uma vez – da desintegração da Sociedade Teosófica foram plantadas pelos nossos inimigos. O fato de que apesar da conspiração Patterson-Coulomb-Hodgson e da falta de coragem dos principais teosofistas a Sociedade não tenha desmoronado naquele mesmo momento é prova suficiente de que ela foi protegida. Abalados em suas crenças, os destituídos de coragem começaram a perguntar: “Por que, se os mestres são autênticos Mahatmas, Eles permitiram que tais fatos acontecessem, ou por que Eles não usaram Seus poderes para destruir esta trama ou aquela conspiração, ou mesmo para destruir  ou aquele homem e aquela mulher?”   No entanto, já foi explicado inúmeras vezes que nenhum Adepto do Caminho Correto interfere com o justo funcionamento do Carma. Nem mesmo o maior dos Iogues pode desviar o avanço do Carma ou impedir os resultados naturais das ações por mais que um curto período e, mesmo neste caso, esses resultados apenas se irão impor mais tarde com força dez vezes maior, porque assim é a lei oculta do Carma e dos Nidanas.
 
Nem mesmo o maior dos fenômenos irá ajudar o real progresso espiritual. Cada um de nós tem que conquistar  Moksha ou Nirvana por mérito próprio, e não porque um Guru ou um Deva nos ajudará a esconder nossos fracassos. Não há nenhum mérito em ter sido criado como um Deva imaculado ou em ser um Deus; mas há a eterna bem-aventurança de Moksha, que surge para o homem que se torna como um Deus ou Divindade por seus próprios esforços. Punir os culpados é a missão do Carma e não o dever de qualquer Mestre. Mas aqueles que agem conforme o ensinamento Deles e vivem a vida da qual eles são os melhores exemplos jamais serão abandonados por Eles, e sempre que necessário terão Sua ajuda benéfica, seja ela visível ou invisível. Essas palavras, é claro, são dirigidas a aqueles que ainda não perderam totalmente a fé nos Mestres. Aqueles que nunca acreditaram ou que deixaram de acreditar Neles têm todo direito de manter suas opiniões. Ninguém será prejudicado pelo fato de pensarem assim, exceto eles mesmos, talvez, algum dia.  
 
Quanto a mim, quem pode me acusar de ter agido como impostora? De ter, por exemplo, tirado um único centavo de alguém? De ter alguma vez pedido dinheiro, ou de tê-lo aceito, apesar de repetidamente me oferecerem grandes quantias? Aqueles que, apesar disso, escolheram pensar ao contrário, terão que explicar aquilo que mesmo meus caluniadores do tipo dos padres  e da Sociedade de Pesquisas Psíquicas não conseguiram explicar até hoje, isto é, a motivação para tal fraude. Terão que explicar por que, em vez de pegar e ganhar dinheiro, eu doei à Sociedade cada centavo que ganhei escrevendo para jornais; por que, ao mesmo tempo, quase me matei com um trabalho intenso e incessante ano após ano, até que minha saúde ficou debilitada, de modo que, se não fosse pela repetida ajuda de meu Mestre, eu teria morrido há muito tempo devido aos efeitos deste trabalho voluntário excessivo.
 
Quanto à absurda teoria segundo a qual eu seria uma espiã russa, se ela ainda encontra crédito em algumas mentes idiotas, já desapareceu há muito pelo menos dos cérebros oficiais dos anglo-indianos.
 
Se, digo eu, naquele momento crítico, os membros hindus e europeus da Sociedade e especialmente os líderes em Adyar, hindus e europeus, tivessem permanecido juntos como um só homem, firmes em sua convicção sobre a autenticidade e o poder dos Mestres, a Teosofia teria saído mais triunfante que nunca e nenhum dos medos deles se teria concretizado, por mais astutas que fossem as armadilhas legais contra mim, e fossem quais fossem os erros de julgamento que eu, a humilde representante dos Mestres, pudesse ter feito na conduta executiva do assunto.
 
Mas a lealdade e coragem das autoridades de Adyar e dos poucos europeus que haviam confiado nos Mestres não estiveram à altura do teste, quando este veio. Apesar de meus protestos, fui expulsa da Sede Geral. Doente como eu estava, na verdade à beira da morte,  segundo os médicos disseram, ainda protestei, e teria lutado pela Teosofia na Índia até meu último suspiro se tivesse encontrado apoio leal. Mas alguns temiam complicações legais, outros tinham medo do governo, enquanto meus melhores amigos acreditavam nas ameaças dos médicos de que eu morreria se continuasse na Índia. Assim, fui mandada para a Europa para recuperar minhas forças, com a promessa de rápido retorno à minha amada Aryavarta.
 
Bem, eu parti, e imediatamente começaram as intrigas e os boatos.  Já em Nápoles soube que estavam dizendo que eu pretendia iniciar na Europa “uma Sociedade rival” e “acabar com Adyar” (!!). Diante disso, eu ri.  Então começou o boato de que eu tinha sido abandonada pelos Mestres, que eu tinha sido desleal a Eles, que eu tinha feito isso e aquilo. De fato, nada disso tinha a menor porção de verdade ou era alicerçado em fatos. Depois fui acusada de ser, na melhor das hipóteses, uma médium alucinada,  que confundiu “fantasmas” com Mestres vivos, enquanto outros declararam que a verdadeira H. P. Blavatsky estava morta – havia morrido por ter usado erradamente a Kundalini – e que a forma física tinha sido tomada por um Chela Dugpa, que era a atual H. P. B. Outros ainda me consideravam uma bruxa, uma feiticeira, que por seus próprios objetivos fingia ser uma filantropa e uma amiga da Índia, quando na verdade se dedicava à destruição de todos aqueles que tivessem a infelicidade de serem dominados psicologicamente por mim. Na verdade, os poderes psicológicos atribuídos a mim pelos meus inimigos, sempre que um fato ou um “fenômeno”  não podiam ser explicados satisfatoriamente, são tão grandes que só eles já teriam feito de mim um Adepto extremamente extraordinário – independentemente de quaisquer Mestres ou Mahatmas. Em resumo, até 1886, quando o Relatório da S. P. P. foi publicado e essas bolhas de sabão explodiram sobre nossas cabeças, houve uma longa série de acusações falsas, com cada novo envio dos correios trazendo algo de novo. Não direi o nome de ninguém; não importa quem disse alguma coisa e quem a repetiu. Uma coisa é certa: com a exceção do coronel Olcott, todos pareciam ter banido os Mestres de seus pensamentos e expulsado o espírito deles de Adyar.  Todo tipo de incongruência foi ligado a esses nomes sagrados, e eu fui considerada a única responsável por todos os  eventos desagradáveis que aconteceram e cada erro cometido. Numa carta recebida de Damodar em 1886, ele me informava que a influência dos Mestres em Adyar se tornava cada dia mais fraca, que diariamente Eles eram representados como menos que “Iogues de segunda categoria”, e totalmente negados por alguns, enquanto outros, que ainda acreditavam e continuavam fiéis a Eles, tinham medo até mesmo de pronunciar os Seus nomes. Finalmente, ele me pedia enfaticamente que voltasse, dizendo que naturalmente os Mestres tomariam providências para que minha saúde não sofresse com isso. Escrevi ao coronel Olcott sobre o assunto,  implorando a ele para que me deixasse retornar, e prometendo que eu viveria em Pondicherry se necessário, caso minha presença não fosse desejada em Adyar.  Recebi a resposta ridícula de que, logo que eu voltasse, eu seria mandada para as Ilhas Andaman como espiã russa, o que, naturalmente, mais tarde o coronel Olcott descobriu que não era verdade. A rapidez com que esse pretexto fútil foi levantado para me manter longe de Adyar mostra em cores claras a ingratidão daqueles por quem eu dei minha vida e saúde. E mais: pressionado, segundo entendi, pelo Conselho Executivo, sob o pretexto inteiramente absurdo de que, no caso de minha morte, meus herdeiros poderiam reivindicar uma parte da propriedade de Adyar, o Presidente me mandou um documento legal para que eu assinasse, pelo qual eu formalmente renunciava a qualquer direito em relação à Sede Geral aos Escritórios,  ou mesmo a viver lá sem o consentimento do Conselho. Isto, embora eu tivesse gastado vários milhares de rúpias de meu próprio dinheiro e destinado minha parte dos lucros de “The Theosophist” para a compra da casa e da mobília. No entanto, assinei a renúncia sem uma palavra de protesto. Vi que eu não era desejada e permaneci na Europa apesar do meu desejo ardente de voltar à Índia.  Como poderia deixar de sentir que todo meu trabalho fora recompensado com ingratidão, quando meus mais intensos desejos de retornar recebiam desculpas inconsistentes e respostas inspiradas por aqueles que me eram hostis?
 
O resultado disso tudo era muito claro. Vocês conhecem muito bem  a situação na Índia e não é necessário dar mais detalhes. Numa palavra, desde minha saída, não apenas a atividade do movimento na Índia gradativamente diminuiu, mas aqueles por quem eu tinha a mais profunda afeição, considerando-os como uma mãe considera seus próprios filhos, voltaram-se contra mim. Enquanto que, no Ocidente, logo que aceitei o convite para vir para Londres, encontrei pessoas que, apesar do Relatório da S. P. P. e das suspeitas extremadas e hipóteses extravagantes lançadas em todas as direções, acreditam na verdade da grande Causa por que tenho lutado, e na minha própria boa-fé.  
 
Atuando sob as ordens dos Mestres, comecei no Ocidente um novo movimento de acordo com as linhas originais, fundei “Lucifer” [4] e a loja que tem meu nome. Reconhecendo o trabalho esplêndido feito em Adyar pelo coronel Olcott e outros para realizar o segundo dos três objetivos da S. T., isto é, promover o estudo da Literatura Oriental, decidi aqui realizar os dois outros objetivos. Todos sabem com que sucesso isto foi conseguido.  Por duas vezes o coronel Olcott foi convidado a vir, e então eu soube que eu era mais uma vez querida na Índia, por alguns, pelo menos.  Mas o convite veio demasiado tarde; meu médico não permitiria, e tampouco posso – se eu quiser ser fiel ao meu compromisso e aos meus votos de vida inteira – viver na Sede Geral da qual os Mestres e o espírito Deles foram virtualmente banidos. A presença dos Seus retratos não ajudará. Eles são letra morta. A verdade é que eu jamais poderei voltar à Índia, a não ser como fiel agente Deles. E como a menos que Eles apareçam pessoalmente diante do Conselho (o que certamente nunca farão) nenhum conselho que eu possa dar sobre questões ocultas será aceito, uma vez que se duvida do meu relacionamento com os Mestres e ele é inclusive totalmente negado por alguns, e como eu própria não tenho direito a estar na Sede Geral, que motivo há, então, para que eu viva em Adyar?
 
O fato é que, em minha situação, meias-medidas são piores que nada.  As pessoas têm que acreditar inteiramente em mim, ou desacreditar honestamente. Ninguém, nenhum teosofista  é obrigado a acreditar, mas é pior que inútil as pessoas me pedirem ajuda se não acreditam em mim. Aqui na Europa e na América do Norte há muitos que nunca recuaram em sua devoção à Teosofia; consequentemente, a expansão da Teosofia e da S. T. no Ocidente, durante os três últimos anos, foi extraordinária. A razão principal disso é que fui estimulada e encorajada pela devoção de um número sempre crescente de membros, em relação à Causa e a Aqueles que a guiam, no sentido de estabelecer uma Seção Esotérica, na qual eu posso ensinar um pouco do que aprendi àqueles que confiam em mim e que comprovam essa confiança através de seu trabalho desinteressado pela Teosofia e pela S.T.  No futuro, então, é minha intenção devotar minha vida e energia à Seção Esotérica (S.E.), e ensinar àqueles que têm confiança em mim.  Seria inútil usar o pouco tempo que me resta para justificar-me perante aqueles que não têm certeza da existência dos Mestres, apenas porque, julgando-me mal, consideram conveniente suspeitar de mim.
 
E quero dizer desde já, para evitar interpretações erradas, que minha única razão para aceitar a direção exotérica dos assuntos europeus foi salvar os que realmente têm a Teosofia no coração e trabalham por ela e para a Sociedade; para que eles não sejam obstaculizados por aqueles que, não só não se importam com a Teosofia tal como ensinada pelos Mestres, mas também estão trabalhando inteiramente contra ambos, e tentam minar e contra-atacar a influência do bom trabalho já feito, tanto pela negação aberta da existência dos Mestres como através de uma hostilidade declarada e amarga contra mim;  e, também, unindo forças com os mais desesperados inimigos de nossa Sociedade.
 
Meias-medidas,  repito, não são mais possíveis. Ou eu afirmei a verdade tal como a conheço em relação aos Mestres, e estou ensinando o que aprendi com Eles, ou então eu inventei tanto os Mestres como a Filosofia Esotérica. Há alguns, entre os Esoteristas do grupo interno, que dizem que se eu inventei tudo, então eu devo ser um “Mestre”. De qualquer forma, não há alternativa para este dilema.
 
Portanto, qualquer direito que a Índia pudesse ter sobre mim só teria uma força proporcional à atividade dos membros de lá em favor da Teosofia, e proporcional à sua lealdade aos Mestres. Vocês não deveriam precisar da minha presença entre vocês para convencê-los da autenticidade da Teosofia, mais do que os seus Irmãos americanos precisam. Uma convicção que diminui quando alguma personalidade específica está ausente não é uma convicção. Saibam, além disso, que só posso dar qualquer nova demonstração e ensinamento à Seção Esotérica, e isso pela seguinte razão: os seus membros são os únicos que tenho o direito de expulsar por deslealdade a seus votos (não a mim, H. P. B., mas ao seu Eu Superior e ao aspecto Mahátmico dos Mestres), um privilégio que não posso exercer com os membros da Sociedade Teosófica em geral, embora seja o único meio de arrancar o membro doente do corpo saudável da Árvore e, assim, salvá-la da infecção.  Só posso dar atenção a aqueles que não serão afastados pelo primeiro sopro de calúnia e por qualquer insinuação e suspeita ou crítica, venham de quem vierem.  
 
De agora em diante, que fique claro que o resto de minha vida é devotado somente àqueles que acreditam nos Mestres e querem trabalhar pela Teosofia como Eles a entendem, e pela Sociedade Teosófica de acordo com as linhas sobre as quais Eles a estabeleceram originalmente.
 
Se, então, meus irmãos hindus desejam real e honestamente fazer a regeneração da Índia, se querem trazer de volta em algum momento os dias em que os Mestres, nos tempos da antiga glória da Índia, caminhavam livremente entre eles, guiando e ensinando o povo;  que nesse caso eles joguem fora todo medo e hesitação e virem uma nova página na história do Movimento Teosófico. Que eles se reúnam corajosamente em torno do Presidente Fundador, quer  eu esteja na Índia ou não, e em torno daqueles poucos Teosofistas verdadeiros que permaneceram fiéis,  e desafiem todos os caluniadores e descontentes ambiciosos – tanto dentro como fora da Sociedade Teosófica.
 
[“The Theosophist”,  janeiro de 1922.]  [Escrito em abril de 1890.]
 
NOTAS:
 
[1] Damodar K. Mavalankar, teosofista que, ainda jovem, foi convidado a ir viver no Himalaia em companhia dos Mestres e dos seus discípulos regulares. (CCA)
 
[2] “Raio e trovão”: uma campanha de calúnias contra H.P.B. e o movimento teosófico, orquestrada com ajuda do Vaticano e da política colonialista, ameaçada pela valorização teosófica da sabedoria indiana antiga. A campanha incluía o uso de documentos forjados.  (CCA)  
 
[3] Birmânia: atual Mianmar. País situado entre a Índia, a China e a Tailândia.  (CCA)
 
[4] Revista “Lucifer”. Ao contrário do que é sugerido por uma falsa teologia baseada  no medo, a palavra latina “Lúcifer” significa “portador da luz”. O termo era usado no mundo antigo para designar o planeta Vênus, a “estrela d’alva” e a “estrela vespertina”. Assim, o nome da revista fundada por H.P.B. era uma homenagem ao planeta Vênus, esotericamente considerado “o irmão mais velho” da nossa Terra. (CCA)
 
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O artigo “Por Que Não Volto à Índia” está publicado nos websites associados desde setembro de 2014.
 
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Leia mais:
 
 
 
 
 
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
 
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Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
 
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