Alguns Meios Práticos
Para Vencer a Corrupção
 
 
Maurício Andrés Ribeiro
 
 
 
 
 
O ser humano integra o mundo natural e compartilha uma base biológica comum com as demais espécies. Guardadas as devidas diferenças entre o mundo natural e o mundo dos humanos, uma abordagem ecológica do tema da corrupção pode iluminar alguns de seus fundamentos biológicos e ajudar a lidar com ela.
 
Relações ecológicas variam da parceria e cooperação ao antagonismo e competição. Assim, a simbiose e o comensalismo são relações em que os organismos atuam em conjunto para proveito mútuo; são desarmônicas interações como a antibiose (princípio usado nos antibióticos, que matam ou inibem certos organismos vivos), a predação, o canibalismo, o vampirismo, o esclavagismo, o parasitismo.
 
Na natureza, um parasita suga um animal ou vegetal e dele tira seu sustento. Em alguns casos, leva o hospedeiro à morte. Os predadores se multiplicam quando há muito do que se alimentar, mas quando escasseia a comida, eles podem, no limite, ser extintos. Hospedeiros precisam experimentar mutações para ter um organismo geneticamente mais adaptado para sobreviver na guerra com os invasores. Flávio de Carvalho Serpa observa que “Sobrevive o mais adaptado. A natureza não distingue entre o bem e o mal. A humanidade é a única que tem a ética e honestidade como fator seletivo, o que é bom…”.
 
O parasita social suga a sociedade na qual se hospeda, a explora e vive à  sua custa; se beneficia dela e a enfraquece quando extrai e se apropria de seus recursos somente em proveito próprio. Dependendo da percepção ou da ideologia de quem os define, já foram apontados como parasitas sociais os indivíduos que vivem à custa alheia, os capitalistas, os burgueses, os senhorios, os que vivem da previdência social. Nos governos, alguns veem como parasitas os servidores públicos que não trabalham; que defendem seus interesses e privilégios corporativos acima do interesse público mais amplo. O avanço civilizatório traz maior eficiência no controle dos predadores aproveitadores, que aparecem e se multiplicam quando há oportunidade.
 
A corrupção pode ser vista como uma forma extrema de parasitismo social, combinado com a predação. Corruptores e corrompidos colaboram entre si como os parasitas/predadores; o hospedeiro/presa do qual se alimentam é a sociedade. O corruptor e o corrompido se apropriam de recursos coletivos. Atuam como sanguessugas, que causam sangria nos cofres públicos.  Corruptores e corrompidos são muitas vezes hábeis e tentam se esconder para não serem descobertos; se disfarçam, camuflam, enganam,  dissimulam e aplicam estratagemas e táticas de ação engenhosas e às vezes criativas.
 
Nas sociedades humanas, entre as condições que facilitam a corrupção, relacionam-se a impunidade e a inexistência de riscos; as debilidades institucionais, tais como o mau funcionamento dos poderes judiciário, legislativo e executivo; o loteamento partidário da administração pública, sem a contrapartida da probidade e competência técnica; o sistema eleitoral corrupto, as oligarquias aproveitadoras, as empresas corruptoras, o hábito da transgressão das regras, normas e leis como atributo de espertos; a autocomplacência individual ou grupal.  A falta de proteção policial, de consequência jurídica e a prostração e o conformismo social estimulam o aumento da atividade de parasitas e predadores.
 
Num quadro mais amplo, Jared Diamond, em seu livro Armas, Germes e Aço, dedica um capítulo à análise da evolução do igualitarismo às cleptocracias modernas, que surgiram depois dos bandos, das tribos, dos principados e sultanatos. Diz ele que “A diferença entre um cleptocrata e um estadista sábio, entre um barão ladrão e um benfeitor público é meramente de grau.” Depende de qual  a porcentagem dos impostos coletados é retida pela elite e quanto dos impostos é destinado aos bens comuns e usos públicos. Ele constata que as grandes sociedades precisam ser centralizadas,“Mas a centralização do poder inevitavelmente abre a porta – para aqueles que detêm o poder, a informação, tomam as decisões e redistribuem os bens – para explorar as oportunidades resultantes de se premiarem e a seus parentes”. Em cleptocracias, parasitas se  incrustam em nichos do estado,  nos quais se locupletam e usufruem de direitos, vantagens e benefícios pessoais.
 
Há também quem associe a corrupção à era ‘Kali Yuga’, a idade do ferro do ciclo hindu. Nesta era, há poluição, gratificação dos sentidos, matança de animais, destruição da natureza, com grupos, quadrilhas, gangues, máfias, empresas, companhias disputando e competindo pela riqueza material coletiva.
 
Se parasitismo e predação são relações naturais, também são naturais as estratégias de defesa dos organismos contra predadores e parasitas.
 
Nesse contexto, cabe perguntar:
 
1) Como descobrir  a ocorrência de um processo inicial de parasitismo ou predação social?
 
2) Em que medida são aplicáveis aos casos de corrupção, no mundo dos humanos,  as estratégias dos hospedeiros para  sobreviverem a parasitas,  e das presas, para escaparem de seus predadores?
 
3) Como dificultar a vida dos parasitas e predadores? Como facilitar a vida dos hospedeiros/presas?
 
4) É possível prevenir ou combater a corrupção com a aplicação de princípios e de estratégias de sobrevivência ecológicos?
 
Se o predador e o parasita desenvolvem formas astuciosas de agir, também as presas e os hospedeiros concebem maneiras criativas de se livrar dos ataques e se proteger. A evolução civilizatória dificulta a sobrevivência dos aproveitadores. Para se prevenir a corrupção é eficaz desenvolver a consciência coletiva sobre as consequências e os ônus de uma relação corrupta. Transparência e informação clara e circulante à luz do dia ajudam na prevenção de relações de parasitismo ou de predação social.
 
A possibilidade de se estruturar uma sociedade menos corrupta depende de ações de fortalecimento social (o hospedeiro/presa) e de enfraquecimento dos  corruptores e corrompidos (os parasitas/predadores):
 
1) Ações  e atitudes do hospedeiro/presa:
 
Estar vigilante e atento; ter imaginação, sagacidade, astúcia. (Um exemplo para tentar neutralizar ataques cibernéticos é a contratação de hackers por serviços de inteligência.) Ter vontade e coragem para enfrentar resistências. Detectar preventivamente e corrigir situações de corrupção conhecidas. Manter informação livre (imprensa); conceber  e colocar em prática estratégias – sociais, políticas, culturais –  para escapar do parasita. Exercitar a indignação consequente. Adotar controle social externo e interno com hierarquias claras, gestão participativa e transparente, critérios de avaliação; reduzir a autocomplacência; reduzir, por meio de gestão bem feita, as frestas por onde se infiltram oportunistas e parasitas. Fortalecer a defesa imunológica contra vírus e espécies invasoras.  Manter sistemas eficazes de fiscalização e auditoria,  internos e externos, com padrão ético. Criar fatores de repulsão aos ataques dos parasitas, como, por exemplo, na natureza, o mau cheiro; por meio de tolerância zero, aplicar ao corpo do hospedeiro repelentes que afugentem os potenciais parasitas; fortalecer as defesas imunológicas do hospedeiro.
 
2) No parasita/predador:
 
Descobrir os liames e romper o conluio e a cooperação entre corruptores e corruptos; adotar a delação premiada, que funciona como um antibiótico ao romper a relação simbiótica corruptor-corrompido; promover a cizânia entre corruptos, com tratamento igual para todos os que forem descobertos; encontrar e fortalecer os predadores dos corruptos; fazer limpeza e saneamento, punir e demitir servidores corrompidos, sabendo que não basta extirpar, porque o parasita retorna quando se mantêm as condições ambientais favoráveis; eliminar as condições para que voltem, melhorando controles administrativos e transparência;  evitar que novos parasitas venham a ocupar o nicho institucional dos anteriores. Esclarecer e desativar mecanismos de louvação e elogio da esperteza corrupta e a simpatia para com as ilegalidades; Quando descoberto o parasitismo da corrupção, aplicar punição exemplar; reduzir suas fontes de alimentos: bloquear contas bancárias, obrigar ao ressarcimento dos recursos públicos, punir os aproveitadores corruptores.
 
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Maurício Andrés Ribeiro é autor das obras  “Ecologizar” e “Tesouros da Índia”.
 
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