Esta Ave Aquática Costuma Viajar pelas Américas
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
Um biguá secando as asas ao sol. Foto: Wikipédia.
 
 
 
O biguá é o melhor mergulhador e um dos habitantes mais ilustres do Rio dos Sinos. Com 75cm, preto, pesando pouco mais de um quilo, ele pode mergulhar a qualquer momento. Ele nada então um bom tempo debaixo da superfície da água, para reaparecer em um ponto bem distante, erguendo da água apenas o bico e a cabeça, mas mantendo o corpo submerso. Assim, observa sem ser observado.
 
Por outro lado, é um grande pescador. Numa pescaria de bando, os biguás sabem organizar-se. Todos nadam lado a lado, no mesmo sentido, “bloqueando” o curso d’água. E quando aparece o peixe, mergulham para pegá-lo. O peixe fica quase sem alternativas.
 
No Rio Grande do Sul, o biguá nadava, anos atrás, em bandos de até 200 indivíduos. O estudioso Raimundo Magalhães descreveu uma “jornada de pesca” feita por biguás no Maranhão como “um espetáculo impressionante”, porque as aves formavam verdadeiras “patrulhas”, voando algumas, nadando outras, trabalhando em conjunto para localizar e cercar os peixes.
 
Quando está na água e quer afastar-se, decola como um hidroavião, batendo as asas com força ao longo de vários metros, com os pés tocando a água, e lentamente erguendo-se em voo rasante que só aos poucos vai ganhando altura. Ao mesmo tempo inspeciona as águas.
 
Quando vislumbra um peixe, persegue-o sob a água em grandes ziguezagues, até pegá-lo com o bico. Sua eficácia como pescador atraiu o ódio do homem. No começo do século 20 era visto como inimigo e sua caça era livre. Mas hoje caçar um biguá é crime em todo o Brasil.  
 
“Deus não criou o biguá para acabar com os peixes”, escreveu Henrique Roessler em 1960. “Estas aves aquáticas apanham os mais fracos e menos ágeis, fazendo assim a seleção natural da espécie. Os pescadores, porém, na sua cegueira e pirataria, consideram o biguá como nocivo”. Para Roessler, uma prova de que os biguás não eram responsáveis pela escassez de peixes era que, antigamente, havia grandes bandos de biguás no Sinos, e ainda maiores cardumes de peixes. “A ruína da pesca é causada pelo próprio homem”, registrava o ecologista, fazendo uma lista dos culpados: plantadores de arroz, industriais, e os próprios pescadores, que não respeitavam (como não respeitam) o período da reprodução dos peixes. [1]
 
O biguá mete-se profundamente nas águas, brinca nelas, toma banho, faz piruetas. Mas depois das imersões ele fica imóvel, sob o sol, com as asas abertas, para secar as pernas. É na primavera que faz seus ninhos, no solo, em árvores ou em arbustos. Seu ninho tem forma de prato, feito com galhos e gravetos e recheados com penas e material vegetal. A fêmea põe até três ovos de cor azulada.
 
Até aqui estávamos estudando a vida do biguá preto, Phalacrocorax olivaceus, que ocorre no Sinos. Em outras regiões do Rio Grande do Sul [2], há também o biguá-tinga, cujo nome científico é Anhinga anhinga. “Pelo formato, é um verdadeiro biguá”, escreveu Eurico Santos, “mas dele se distingue pela cor branca do pescoço, dorso e asas”.
 
Como seu parente biguá-tinga, o nosso biguá preto dorme à noite nas árvores das matas às margens dos rios e dos banhados. Quando ainda não está adulto, tem a cor de fuligem. Quando engole um peixe, a digestão é ajudada especialmente pelo fato de que o seu suco gástrico é capaz de desagregar espinhas. Após a nidificação, emigra.
 
O biguá preto existe desde o México até o sul da América do Sul. Nos grandes bandos que aparecem na Lagoa dos Patos, foram encontrados biguás pretos em setembro que haviam sido anilhados em maio e junho em Santiago del Estero, na Argentina. Como todas as aves migratórias, o biguá exemplifica o fato de que nosso planeta é um só e pequeno, porque não há fronteiras ecológicas nesta nave-terra em perpétua viagem em torno do Sol. A família dos biguás, Phalacrocoracidae, tem representantes em todas partes do mundo.
 
NOTA:
 
[1] Do artigo “Dois Pesos e Duas Medidas”, na obra “O Rio Grande do Sul  e a Ecologia”, de Henrique Luiz Roessler. Ver pp. 160-161.  
 
[2] Veja a obra “Aves do Rio Grande do Sul”, de William Belton, Unisinos, p. 64.   
 
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O texto acima foi publicado nos websites associados no dia 02 de novembro de 2021. Uma versão inicial dele está nas páginas 59-60 do livro “Os Banhados do Rio dos Sinos”.
 
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 
 
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