Escritor Francês Adotou Apenas em Parte
As Mentiras do Vaticano Contra Cagliostro
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
Alexandre Dumas, pai (1802-1870)
 
 
 
O romance em cinco volumes “José Bálsamo” é parte de uma obra mais ampla de Alexandre Dumas, intitulada “Memórias de um Médico”.
 
A história foi publicada pela primeira vez em francês em folhetim seriado entre 1846 e 1849, mais de duas décadas antes da criação do movimento teosófico moderno em 1875. O fato de que o seu personagem central José Balsamo ou Alessandro Cagliostro usa, como veremos, o termo “teósofo” para descrever a si próprio é suficiente para indicar o caráter pioneiro da obra.
 
Quem olha o romance de modo literal só pode concluir que Alexandre Dumas é injusto e pouco verdadeiro em relação à maçonaria e a Cagliostro.
 
Para obter sucesso, o escritor evitou desafiar os poderes dominantes de sua época. Dumas tratou de ser politicamente correto, adotando em boa parte como verdadeiras, em seu trabalho de ficção, as mentiras fabricadas pelos jesuítas e pelo Vaticano.
 
Em todos os romances históricos que escreveu, Dumas permitiu-se completa liberdade para criar os seus próprios fatos. Usando outras palavras, H. P. Blavatsky disse que, como historiador, Dumas é mais criativo que até mesmo o famoso Barão de Munchhausen. [1]
 
Dumas nunca pretendeu ser um historiador.
 
Quando alguém o acusou de escrever sobre fatos que nunca havia estudado, ele respondeu com franqueza e ironia:
 
“Se eu fosse estudar os fatos, quando teria arranjado tempo para escrever?” [2]
 
Apesar das suas óbvias limitações, o romance “José Bálsamo” contém elementos de filosofia esotérica autêntica. Dumas mistura livremente verdades e falsidades. Usando uma ambiguidade deliberada para pairar acima da possibilidade de ser perseguido, mantendo “um pé cá e um pé lá”, ele expressa uma quantidade importante de verdades na obra, ainda que não de modo sempre ostensivo. Ele estuda e descreve os fatos da alma humana, mais do que os fatos da história.
 
O romancista escreveu, atribuindo as palavras ao seu personagem José Bálsamo:
 
“… Eu era portanto teósofo.”
 
Terminaram as minhas viagens, sem que a vista dos diferentes costumes de tantas cidades me tivesse maravilhado; porque nada era novo para mim debaixo do sol, e porque, durante o curso de trinta e duas existências que eu tinha vivido, havia já visitado as mesmas cidades, notando somente a grande mudança que se tinha operado entre os seus habitantes.”
 
Então pude elevar-me acima dos acontecimentos para seguir a marcha do gênero humano. Vi que todos os espíritos tendiam para o progresso, e que o progresso conduzia à liberdade; vi que todos os profetas tinham sido enviados pelo Senhor para sustentar o progresso vacilante da humanidade, que, saindo cega do seu berço, dava todos os séculos um passo para a luz; porque os séculos são os dias dos povos.”
 
Eu disse comigo que tantas coisas sublimes não me tinham sido reveladas para ficarem em mim ocultas, e que é debalde que o monte encerra os veios de ouro, e o mar as pérolas, porque o mineiro e o mergulhador os vão procurar ao fundo do monte e do mar; e que melhor faria eu se, imitando o sol, derramasse as minhas luzes pelo mundo.”
 
Conheceis pois agora que não foi para cumprir meros ritos maçônicos, que vim do Oriente. O objeto da minha viagem foi para dizer-vos: Irmãos! Tomai asas e olhos de águia, elevai-vos acima do mundo, (…) e lançai os olhos a todos os reinos do mundo.”
 
Os povos formam uma imensa falange; nascidos em diferentes épocas e em diversas condições, formaram as suas fileiras, e devem chegar, cada um por sua vez, ao fim para que foram criados. Caminham incessantemente conquanto pareçam descansar, e, se por acaso recuam, não é para retrocederem, mas sim para tomarem força, a fim de vencerem algum obstáculo, ou para removerem alguma dificuldade.” [3]
 
Se Alexandre Dumas tivesse contrariado os jesuítas, elogiando em sua obra a filosofia esotérica e mostrando a autenticidade dela, teria sido boicotado como autor, provavelmente teria sido preso, e possivelmente morto. Não era essa a sua vocação. Mesmo assim, a obra de Dumas tem várias páginas sumamente interessantes desde o ponto de vista teosófico.
 
NOTAS:
 
[1] “Collected Writings” de H. P. Blavatsky, TPH, vol. II, p. 130. Título do artigo: “Persian Zoroastrianism”.
 
[2] Do livro “Vidas de Grandes Romancistas”, de Henry Thomas e Dana Lee Thomas, Editora Globo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo, tradução de James Amado, 344 páginas, segunda edição, 1954, ver p. 113.
 
[3] Palavras reproduzidas da obra “Memórias de um Médico – José Bálsamo”, volume I, Livraria Lello & Irmão, Lisboa, 1945, 314 pp., ver pp. 31-32. A ortografia foi atualizada.
 
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O artigo acima foi publicado nos websites associados dia 04 de abril de 2020. Uma versão inicial dele está publicada na edição de fevereiro de 2020 de “O Teosofista”, pp. 5-6, sob o título “Dumas e a Visão dos Iniciados”. O texto está disponível também em inglês: “Alexandre Dumas Describes Cagliostro”.
 
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Leia os artigos “O Mistério de Alessandro Cagliostro” e “Paracelso e o Livro da Natureza”. Em francês, examine o livro “Rituel de la Maçonnerie Egyptienne”, do conde de Cagliostro.
 
Em inglês, veja os textos “Was Cagliostro a Charlatan?”, de Helena P. Blavatsky, e “Prince Talleyrand, On Cagliostro”, de William Q. Judge.
 
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