A Filosofia Esotérica Investiga a Consciência
Que Está Além do Sono, do Sonho e da Vigília
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
 
 
“Só a sempre desconhecida e incognoscível
Karana, a Causa Sem Causa de todas as causas,
deve ter o seu santuário e o seu altar no solo
sagrado e nunca pisado dos nossos corações, invisível,
intangível, jamais mencionada, exceto através da ‘voz
silenciosa e suave’ da nossa consciência espiritual.”
 
Helena P. Blavatsky [1]
 
 
 
Os seres humanos buscam naturalmente vivenciar aquilo que é ilimitado e de longo prazo. No entanto, essa é uma tendência, uma potencialidade. Não é uma realidade estabelecida. Para todos os efeitos práticos, cada vida humana é um empréstimo feito pela Natureza.
 
Somos autorizados a exercer durante algum tempo uma corporalidade, uma capacidade de ser corpóreos. Ao final de cada encarnação, devolvemos à Natureza a nossa tendência específica de agir como se fôssemos seres físicos.
 
É correto dizer “corporalidade” ao invés de “corpo”, porque o que nós temos é um processo de constante “transformação corporal”, e não um corpo definido como instrumento estável. O “corpo” de uma pessoa de noventa anos é bastante diferente do que ela possuía quando tinha nove meses de idade, ou nove anos, ou quarenta e nove.
 
A vida física nunca é uma certeza: daí a imagem de um empréstimo no qual a proprietária, a Natureza, pode determinar a qualquer momento, sem aviso prévio, a devolução imediata da materialidade emprestada.
 
Desde um mosquito até um ser humano, um perigo potencial rodeia sempre cada Forma de Vida. Mesmo antes do nascimento da Forma pode haver momentos perigosos, e Ernest Pelletier escreveu:
 
“O destino do ser humano está pendurado por um fio na melhor das hipóteses.” [2]
 
Ao longo da sua corporalidade temporária, alguns indivíduos desinformados fogem da possibilidade de estudar e compreender as grandes questões da vida e da morte. Eles buscam um refúgio imaginário em superficialidades. Tratam de convencer a si mesmos de que o relógio da vida não registrará a passagem do tempo – enquanto eles não pensarem no assunto.
 
É verdade que talvez seja necessária alguma coragem para olhar com realismo a vida física e aceitar sem mágoa o fato de que ela é passageira. Mas é exatamente este tipo de honestidade consigo mesmo que possibilita a ligação consciente do indivíduo com a vida maior e ilimitada.
 
O processo merece ser examinado.
 
O mesmo portal inicial é atravessado pela consciência de alguém que morre, de alguém que adormece, ou de alguém que alcança a iluminação espiritual. Há um ponto neutro antes que a consciência vá para qualquer uma das três dimensões. Por isso nas Cartas dos Mahatmas podemos ver esta frase esclarecedora:
 
“.… Aquele que possui as chaves dos segredos da Morte é possuidor das chaves da Vida.” [3]
 
O caminho do autoconhecimento permite que o foco interno e médio da consciência se eleve gradualmente até acima do portal tríplice que leva às possibilidades da morte, do sono e do estado de vigília.
 
Há também outro conjunto tríplice de estados de consciência. Ele é formado pela vigília, pelo sono sem sonhos, e o sonho.
 
Um sábio oriental escreveu que “os três corpos, ativos respectivamente no estado de vigília, no sonho e no sono sem sonhos, são todos eles conhecidos, observados, e vigiados pelo espírito, que se mantém atrás deles e à parte, na permanente vigilância do êxtase, o estado de vigília do espírito”.[4]
 
O poeta inglês William Wordsworth parece ter abordado o mesmo mistério ao escrever:
 
“Nosso nascimento é apenas um sono e um esquecimento;
A Alma que se ergue conosco, a Estrela da nossa vida,
Viveu um anoitecer em outro lugar,
E veio de longe”.[5]
 
O caminho para uma compreensão correta destes vários níveis de consciência é ensinado pela filosofia esotérica clássica, cujas lições não são todas fáceis. Um desafio prático colocado à frente dos estudantes é organizar a sua agenda diária a partir de três fatos fundamentais:
 
1) a vida física é um processo passageiro;
 
2) ela é um meio e não um fim em si mesma;
 
3) ela é uma oportunidade de buscar solidariamente uma meta elevada.
 
Uma das grandes fontes de sofrimento desnecessário está no hábito de olhar para as coisas passageiras como se fossem duráveis, e também de olhar para as realidades permanentes como se fossem transitórias, ou como se pudessem ser manipuladas para alcançar objetivos de curto prazo.
 
A vida é simétrica, e uma fonte de paz interior consiste em olhar para os acontecimentos transitórios como ventos que passam, e em saber que em última instância essa dimensão da vida inclui o nosso próprio eu inferior.
 
A paz também surge quando aceitamos que as realidades permanentes são duráveis, e quando sabemos que esta dimensão da existência inclui a voz do silêncio, aquela lição incessante sobre a Vida maior, que flui sem palavras, em meio aos desafios, no coração de toda consciência individual. [6]
 
Este centro monádico e átmico é a moradia permanente de todo ser humano. A qualquer momento da vida física, o indivíduo pode encontrar ali o seu próprio e verdadeiro ser,  essencial, impessoal, sem nome.
 
Isso será mais fácil se ele tomar as medidas práticas que levam a um fortalecimento em si mesmo de antahkarana, a ponte que liga a consciência celeste e a consciência terrestre. É a ampliação de antahkarana que abre diante do estudante a visão integrada da vida, em seus vários estados de consciência.
 
 
NOTAS:
 
[1] Traduzido diretamente de “The Secret Doctrine”, Helena P. Blavatsky, Theosophy Co., Los Angeles, 1982, Volume I, p. 280.
 
[2] “The Judge Case”, Ernest Pelletier, livro publicado pela Edmonton Theosophical Society, Canada, 2004. Ver o parágrafo inicial da Introdução, página XI.
 
[3] “Cartas dos Mahatmas”, Editora Teosófica, Brasília, volume dois, carta 136, p. 315.
 
[4] “The Dream of Ravan – A Mystery”, Theosophy Co., Índia, 248 pp., 1974, pp. 211-212. Há um exame detalhado destes vários estados de consciência entre as páginas 210 e 219. O livro foi provavelmente escrito por um mestre de sabedoria, e está disponível em nossos websites associados.  
 
[5] “Selected Poems”, William Wordsworth, Gramercy Books – Random House, New York-Avenel, USA, 1993, 256 pp., veja “Ode – Intimations of Immortality”, parte V, na p. 135. H.P. Blavatsky cita os mesmos versos no capítulo oito do seu livro “A Chave da Teosofia”.
 
[6] Uma descrição do coração humano como veículo da consciência universal pode ser encontrada “Três Caminhos Para a Paz Interior”, Carlos Cardoso Aveline, Editora Teosófica, Brasília, 2002, pp. 117-121. Veja também “The Secret Doctrine”, Helena P. Blavatsky, Theosophy Co., Los Angeles, vol. II, p. 92.
 
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
 
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