A Verdade, Como a Luz, Deve
Ser Encontrada na Própria Natureza
 
 
Farias Brito
 
 
Religião e Teologia
 
Foto e autógrafo do autor, reproduzidos da obra “Farias Brito, o
homem e a obra”, de Jonathas Serrano (Cia. Editora Nacional,  1939)
 
 
 
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Nota Editorial de 2016:
 
Reproduzimos a seguir o capítulo onze do
primeiro volume da obra “Finalidade do Mundo”,
do filósofo brasileiro Farias Brito. Ver pp. 148-157.
O livro foi publicado pela primeira vez em 1895.
 
Desde um ponto de vista teosófico, Farias Brito
(1862-1917) é o principal filósofo brasileiro e o único
que produziu obra consistente ao nível da metafísica.
 
As notas de rodapé de Brito aparecem ao final,
assinadas com as iniciais “FB”.  Acrescentamos
algumas notas, assinadas com “CCA”. Trocamos certos
termos antigos pelas palavras de uso atual; um exemplo
disso é “maometismo”, substituído por “islamismo”.
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
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Tudo o que se tem dito em teologia sobre a existência e natureza de Deus pode ser reduzido a esta simples proposição que vem reproduzida pelo Abade Sergent, em seu livro “Les enfants de la Bible”:
 
“O mundo é um grande fato, um vasto pensamento, o pensamento de Deus, falado no tempo, sua palavra escrita no espaço.”
 
Há sem dúvida muito brilho nestas palavras que ferem ao vivo a imaginação. Parece que se chega a ver a mão de Deus escrevendo; e é o que basta para fazer a luz na alma dos místicos e encher de alegria o coração de todos os crentes; mas não é suficiente para satisfazer ao filósofo que quer partir da ciência e tem principalmente em vista a verdade e a lógica. Também o livro “Les enfants de la Bible” não é senão uma espécie de poema sagrado. Mas o autor, reproduzindo e engrandecendo as tradições da Judeia, não só procura mostrar “quanto há de doce e sagrado nas alegrias do lar e na piedade filial”, como às vezes procura elevar-se à compreensão dos impenetráveis mistérios da teologia. É assim que, em desenvolvimento à proposição já citada, acrescenta com o acento próprio dos homens verdadeiramente convencidos:
 
“Sem a noção de Deus é impossível nada compreender das coisas limitadas e passageiras deste mundo. Nada se concebe, nem explica sem a intervenção ativa, eficaz de um ser necessário e onipotente de quem tudo desce, para quem tudo sobe; centro único deste vasto fluxo e refluxo de criaturas emanadas de seu pensamento que realizam em cada ponto do espaço e do tempo seu destino próprio segundo leis cheias de sabedoria.” [1]
 
E mais:
 
“Para nós que somos iluminados pela fé, o Deus que amamos, o Deus que adoramos, vamos encontrá-lo grande, e poderoso, e bom, e sempre adorável, no templo que ele a si mesmo criou. E como estes grandes senhores que ciosos de sua glória e da admiração da posteridade, gravaram seu nome no frontão dos templos elevados por seu gênio, e outras vezes, como este inimitável Rafael, o ocultavam no bordado ou na franja de um vestido, no canto mais imperceptível de seus quadros imortais, também o grande artista escreveu seu nome em caracteres deslumbrantes sobre a fronte dos astros, em caracteres cheios de graça na corola de cada flor, em sinais maravilhosos no menor animal.” [2]
 
É ainda, como se vê, uma concepção puramente antropomórfica, pois que o senhor do universo, concebido à imagem do homem, é comparável aos grandes senhores da terra e cogita do modo mais eloquente por que deve ser escrito o seu nome. Mas não obstante esta circunstância, tal é o Deus dos católicos, o Deus da teologia cristã, cuja existência os filósofos espiritualistas, de acordo com os padres da Igreja, acreditam poder demonstrar por dois modos:
 
A posteriori: 1) pela gradação dos seres, sendo que o mundo que é um efeito, não pode deixar de ter uma causa (prova cosmológica, cuja expressão mais elevada é ainda o argumento de Aristóteles que partindo do movimento, eleva-se à concepção de um primeiro motor imóvel); 2) pela inteligência e desejo inato do belo e do bem (prova psicológica).
 
A priori: pelas ideias necessárias tomadas em si mesmas (prova metafísica), sendo que a metafisica é ainda aí considerada como coisa distinta da psicologia, não é a ciência dos fenômenos subjetivos, é a ciência dos primeiros princípios e das primeiras causas, a ciência do ser absoluto.
 
Estas diferentes demonstrações podem ser reduzidas a formas mais ou menos complicadas, sendo expostas com mais ou menos eloquência e brilho, mas no fundo as ideias são sempre as mesmas. É um círculo já esgotado de investigações. Mas, para muitos vem daí a mais completa e a mais elevada certeza. É assim que o Pe. Gratry, por exemplo, espírito aliás de notável clareza na exposição, em sua obra – “La connaissance de Dieu” -, depois de haver resumido e consolidado tudo o que antes dele foi dito de mais importante sobre o assunto, observa que há na alma e no espírito humano uma tendência universal querendo sempre aumentar, aperfeiçoar, elevar como no infinito qualquer indício de ser, de beleza e de bondade que nos oferece o mundo, eleva-se a Deus por este processo poético que não é senão o transporte mesmo da razão.
 
E todas as demonstrações da existência de Deus dadas pelos maiores filósofos desde Platão até Descartes, não são senão este método vulgar traduzido em linguagem filosófica. Entretanto a demonstração que daí se deduz é para ele tão rigorosa quanto a demonstração matemática propriamente dita, porque não é outra coisa senão um dos dois processos da geometria correspondentes aos dois processos gerais da razão. É o processo infinitesimal, aplicado não mais ao infinito geométrico abstrato, mas ao infinito substancial que é Deus. Levado por estas ideias e firmado na identidade que estabelece entre o processo infinitesimal matemático e o processo infinitesimal teológico, chega por fim o Pe. Gratry à consequência geral de que tudo demonstra Deus: o céu, a terra, a noite, o dia, a menor das criaturas, como o mais fraco dos movimentos, acrescentando demais que o próprio ateísmo é uma demonstração por absurdo da existência de Deus. [3]
 
A teologia não pode deixar de ser extremamente obscura. Trata-se de uma matéria por si mesma nebulosa e sutil; joga-se aí com princípios pouco perceptíveis e com ideias ordinariamente simbólicas, correspondentes a fatos de que não há representação natural na consciência. Por isto tudo é duvidoso e incerto nesta esfera de conhecimento onde a imaginação toma fatalmente o lugar da experiência e da lógica. O Pe. Gratry, se bem que não nos possa levar a nenhum resultado preciso, ao menos nos faz compreender o que diz. Mas isto é raro entre os teólogos. Pondo, porém, de parte o que há de incongruente e muitas vezes contraditório nestes estudos, pode-se dizer que a teologia moderna reduz-se ao seguinte:  “ Deus é a força de que resultam todas as forças, a inteligência que concebeu e realizou tudo o que existe.” É certo que os teólogos costumam entregar-se de preferência a explicações como estas: “Deus é a causa primeira, o ser dos seres.” Outros exprimem-se assim: “Deus é o ato puro do pensamento, primeira causa e realidade suprema.” Mas todas estas ideias são vagas, não dão uma noção clara e precisa dos fatos, e pouco diferem desta outra definição que nada explica: “Deus é o ser absoluto, Deus é o ser necessário e infinito.” Nestas condições, prefiro explicar-me nestes termos, nem é outro o pensamento dos verdadeiros teólogos inspirados na filosofia independente: “Deus é a força que move o universo,  a inteligência que dirige a sucessão indefinida dos mundos.”
 
Mas se Deus deve ser assim compreendido, considere-se bem como é possível imaginá-lo tendo em vista a extensão infinita da natureza. Tudo depende dele: o sol e as estrelas, a matéria e a força, a terra com todas as suas maravilhas, o cosmos com todos os seus mundos, e mais o tempo eterno, o espaço ilimitado. Como podemos compreender e explicar uma inteligência que tudo conhece, uma atividade que tudo regula? E se o que conhecemos da natureza é tão pouco, que ideia é permitido fazer de uma força de que a natureza vem a ser apenas um acidente, sendo que o mundo não existia quando o Criador em um certo momento de sua existência absoluta resolveu tirá-lo de nada? E se ele o tirou de nada, é bem de ver que pode ainda e quando queira, de novo reduzi-lo a nada. De modo que todo esse maravilhoso universo, tão deslumbrante e tão vasto, é uma simples criação acidental dessa força desconhecida, uma coisa que foi tirada de nada e que pode ser reduzida a nada, à maneira das criações humanas. Mas a experiência demonstra:
 
1) que o movimento é contínuo;
2) que a matéria é indestrutível.
 
Tais são os dois princípios fundamentais da física moderna. Mas se o movimento que se opera na natureza é contínuo, como pode ter tido um começo; se a matéria é indestrutível, como pôde ser criada? Depois, nós não podemos conceber um começo, nem tampouco um limite para o tempo, do mesmo modo que não podemos de forma alguma conceber a não existência do espaço. É assim que a própria Bíblia diz: “No começo era o caos.” Mas caos não é a mesma coisa que nada. Caos supõe espaço. Portanto, segundo os próprios termos da Bíblia, o espaço não foi criado, existe ab aeterno. E se o espaço pode ser compreendido assim e mesmo não pode deixar de ser compreendido assim, não há razão para que não se diga a mesma coisa da natureza em geral.
 
A todas estas dificuldades acreditam os teólogos do cristianismo poder responder por esta forma: “Tudo isto é realmente incompreensível, tudo isto constitui um mistério inexplicável, mas foi permitido ao homem elevar-se ao conhecimento deste mistério, porque no começo Deus revelou-se aos profetas; e a Bíblia não é senão a história desta revelação.”
 
Mas o profetismo é poesia, demonstra-o a crítica religiosa pelo órgão dos mais nobres pensadores do século. Além disto, se os livros sagrados dos hebreus são a expressão das verdades eternas, a revelação de um poder superior às forças da natureza, por que razão não se deve admitir a mesma coisa quanto aos livros sagrados das outras civilizações primitivas? Qual o critério para decidir entre Zoroastro e Moisés, entre Sakiamuni e Jesus? E se alguma comparação pode estabelecer-se, o que há de mais elevado, segundo o testemunho de todos os sábios, que a religião primitiva dos árias na Índia?
 
Vejamos, para não falar por conta própria, como a esse respeito se exprime Schopenhauer, um dos espíritos mais lúcidos que já se dedicaram ao estudo da filosofia indiana e um dos representantes mais enérgicos do pensamento alemão contemporâneo:
 
“Nunca mito nenhum se aproximou, nunca mito nenhum se aproximará da verdade acessível a uma pequena elite, da verdade filosófica, mais do que fez essa antiga doutrina do mais nobre e do mais velho dos povos: antiga e sempre viva, porque conquanto degenerada em muitos detalhes domina sempre as crenças populares, exerce sempre sobre a vida uma ação vigorosa, hoje, como há milhares de anos. É o non plus ultra do poder de expansão do mito.”
 
E depois de tratar dos sacerdotes que são pela civilizada Europa enviados aos brâmanes, para lhes levar por compaixão uma doutrina nova, para lhes ensinar que foram feitos de nada e que devem ficar penetrados de gratidão e de alegria, acrescenta:
 
“A sabedoria primitiva da raça humana não se deixará afastar de seu curso por uma aventura sucedida em Galileia. Não, mas a sabedoria indiana refluirá ainda sobre a Europa e transformará de todo nosso saber e nosso pensamento.”[4]
 
Quanto à possibilidade de realizar-se esta previsão, nada é permitido dizer; mas o que é certo, é que se existe na filosofia indiana muita coisa elevada e profunda, nada ficará perdido, porque as produções do espírito são também indestrutíveis como todas as operações da natureza. O que passa, o que muda é a forma; mas o elemento substancial permanece inalterável. É assim que já na civilização ocidental muita coisa existe que parece haver sido deduzida da filosofia dos Vedas ou pelo menos temperada na alta sabedoria destes primeiros mestres da humanidade: e Pitágoras, Sócrates, Platão beberam na Índia. [5]
 
Ao próprio Cristo não foi por certo estranha a religião dos hindus e sua vida tem muitos pontos de contato com a de Sakiamuni, para não ser absurdo sustentar que houve entre eles através do tempo e por vias desconhecidas, comunicação mais ou menos direta. É assim que Sakiamuni, que viveu sem dúvida mais de mil anos antes de Cristo, era, como Cristo, ao mesmo tempo Deus e homem, tendo vindo ao mundo para remir a humanidade; como Cristo nasceu de uma virgem que o deu à luz sem deixar de ser pura, e adoraram-no reis, ouvindo-se suavíssimos cantos, quando nasceu a maravilhosa criança; como Cristo, rodeou-se de discípulos a quem explicava os preceitos da lei nova e ensinava os remédios com que se poderá salvar o mundo do abismo da perdição, e terminou afinal no patíbulo. E quando o mártir expirou, tremeu a terra, e o céu cobriu-se de trevas.
 
Não perdeu-se, entretanto, o trabalho de Sakiamuni, nem foi inútil o seu sacrifício. Tendo-se interessado por todas as fraquezas, como por todas as dores, ensinou a lei da virtude, dando como compensação àquele cuja boca sempre pura nunca houver deixado passar uma mentira, esta recompensa que, segundo Schopenhauer, só podia ser representada por um concerto negativo: non assumes iterum existentiam apparentem. Ou mais claramente, segundo a doutrina nova, posterior aos Vedas: “Tu chegarás ao Nirvana, – lá onde não encontrarás mais estas quatro coisas: o nascimento, a velhice, a enfermidade, a morte.” E seu ensino, se bem que por vias desconhecidas [6], transmitiu-se às gerações do futuro.
 
Resta agora que por fusão permanente e indestrutível se combinem de modo a fazer de toda a humanidade um só corpo, os dois centros de civilização em que se divide o mundo: a civilização oriental estabelecida além das montanhas que limitam a China e representada hoje principalmente pela raça amarela, conquanto originada dos árias na Índia; e a civilização que partindo da Ásia ocidental, veio a estabelecer-se na Europa, passando da Europa para a América e para a Austrália, representada principalmente pela raça branca: uma presidida pela religião de Sakiamuni e de Brahma; outra, pela religião de Jesus.
 
Será esta, me parece, a revolução do futuro. Mas para que essa revolução se realize de modo eficaz e duradouro, é preciso que tenha ao mesmo tempo por termo e por ponto de partida o estabelecimento de uma nova religião, porque, como diz Lange, a era nova não triunfará senão sob a bandeira de uma grande ideia.
 
Vê-se assim claramente que a teologia cristã nada produz que possa satisfazer às exigências do espírito, não constrói uma doutrina que esteja de acordo com as verdades já reconhecidas e proclamadas pela ciência, não resiste à crítica, nem satisfaz à razão. Em primeiro lugar, não se funda nos processos da lógica, mas unicamente na autoridade da revelação, e sendo essa pretensão partilhada igualmente por todas as outras religiões, não há razão para que sejam aceitos de preferência os princípios do catolicismo. Depois, a revelação não é senão a explicação da religião pelo milagre; e o milagre concebido como um fato contrário à natureza e superior à natureza é “pura e simplesmente um absurdo”. [7] É o que ficou já devidamente explicado e rigorosamente provado desde Spinoza, que não via nos milagres das Santas Escrituras, senão fenômenos naturais que excedem ou se acredita que excedem a extensão da inteligência humana. [8]
 
Há muitas religiões: assim o cristianismo, assim o bramanismo, o budismo, o islamismo e muitas outras. Todas elas dão-se como revelação da divindade, de modo que a revelação é um fato geral comum a todas as religiões. Nestas condições em vez de poder uma delas contestar a autenticidade de todas as outras, considerando-se como a única que tem o direito de apresentar-se como revelação verdadeira, ao contrário é do estudo comparado das diferentes religiões que se deve partir para a explicação natural da revelação. [9]
 
E recorra-se à história dos primeiros povos, trate-se de submeter a um rigoroso exame os documentos mais importantes das idades primitivas: ver-se-á de modo a não poder haver dúvida que a revelação ou intervenção da divindade nos negócios do mundo não foi senão um expediente de que lançaram mão os primeiros legisladores, no intuito de levar por este meio a convicção ao espírito de povos incultos.
 
Tal era ainda o expediente de que lançava mão Numa Pompílio, no tempo dos romanos, quando fazia crer a seus governados que era inspirado por uma ninfa, com o fim de convencê-los da elevação das leis que decretava.
 
Não é, pois, do catolicismo, não é da teologia cristã, como não é de nenhuma das outras religiões reveladas, que sairá a verdade que há de fazer a luz na consciência dos homens. Todas estas religiões remontam a um passado de que não há memória e colocam o princípio das coisas num mundo desconhecido e invisível a cuja concepção não nos é permitido chegar senão por inspiração sobrenatural. Mas a verdade, como a luz, deve estar na natureza mesma. Deixando, por tudo isto, de lado a teoria cristã, porquanto nunca nos poderá levar a nenhum resultado preciso, consideremos a teologia racional e a crítica religiosa; ou mais precisamente, consideremos o problema religioso em face da filosofia e da metafisica propriamente dita.
 
Neste sentido há só neste século uma literatura imensa e para dar somente uma noção aproximada do movimento geral das ideias, seria preciso escrever um livro inteiro. Não posso, porém, aqui passar além de rápidas considerações. Todavia, uma coisa se impõe logo à primeira vista irresistivelmente: é que o espírito humano, libertando-se do jugo da revelação, destruiu as ideias fundamentais da religião, mas nada edificou em lugar delas, de modo que, sobre este assunto, tem sido até agora inteiramente negativa a obra do pensamento.
 
Há contudo uma escola que pretende haver dado sobre esta matéria a última palavra: é a escola positivista que, conquanto nada resolva positivamente sobre o problema da divindade, todavia sustenta que em relação a semelhante problema não há possibilidade de obter o homem qualquer grau de conhecimento, pelo que é preciso deixar de lado tudo o que se refere a Deus ou emana da teologia, abandonando como absolutamente inacessível ao entendimento humano o domínio das causas primárias ou finais. Fica nosso conhecimento limitado unicamente aos fenômenos sujeitos a leis naturais invariáveis. E se alguma religião é permitida, é unicamente a religião da humanidade. Esta reduz-se em sua essência ao seguinte, nos termos da exposição de Ravaisson:
 
“Na religião de Augusto Comte não há Deus, não há alma, ao menos alma imortal. O ser supremo é a humanidade. Ele o chama o grande ser. O grande ser tem por origem a terra, fonte comum de todos os seres, que Comte chama o grande fetiche. A terra está no espaço que por sua vez é o grande meio. O grande meio, o grande fetiche e o grande ser, tal é a trindade positivista. O grande fetiche para dar nascimento ao grande ser, fica reduzido, diminuído, sacrificado. Nós lhe devemos um culto de reconhecimento; mas é sobretudo a humanidade que representa a perfeição suprema, e na humanidade é a mulher que deve ser o objeto do culto. O culto é a comemoração dos mortos, e sobretudo das mulheres que realizaram o ideal de dedicação e de ternura; e é nesta comemoração que reside a imortalidade.” [10]
 
A ideia é generosa no fundo; mas as premissas são falsas e as conclusões absurdas, além de que não há nenhuma originalidade na forma. Vê-se apenas que Augusto Comte quis tornar-se notável pela estranha concepção de uma religião sem Deus, elevando uma abstração, a humanidade, à categoria de grande ser: e é a isto que devem os crentes queimar seu incenso em altares que hão de substituir os altares do cristianismo.
 
NOTAS:
 
[1] ABADE SERGENT, “Les enfants de la Bible, Cain et Abel”. (FB)
 
[2] Ob. cit. (FB)
 
[3] Pe. GRATRY, “La connaissance de Dieu”, II parte, cap. IX. (FB)
 
[4] “O mundo como vontade e como representação”. (FB)
 
[5] “Pitágoras, Sócrates, Platão beberam na Índia”. A ideia é claramente teosófica: Brito reconhece que a sabedoria oriental está na origem da sabedoria ocidental e é mais antiga do que ela.  (CCA)
 
[6] “Se bem que por vias desconhecidas” – possível alusão às escolas esotéricas e ao discipulado leigo, cujo funcionamento inclui os processos de comunhão de pensamento à distância e telepatia natural.  Veja em nossos websites os artigos “Uma Escola Esotérica de Três Mil Anos” e “Telepatia, a Comunicação Silenciosa”.  (CCA)
 
[7] Aqui, como em outras oportunidades, Brito faz uma crítica contundente da religiosidade dogmática, tal como vemos nos escritos de Helena Blavatsky e nas Cartas dos Mahatmas. A pseudoteosofia de Annie Besant e outros, no entanto, perdeu a perspectiva da filosofia autêntica, que denuncia as fraudes místicas e as mentiras piedosas. (CCA)
 
[8] SPINOZA, “Tratado teológico-político”, cap. VI. (FB)
 
[9] O estudo comparado de religiões e filosofias é precisamente o segundo dos três objetivos do movimento teosófico moderno. (CCA)
 
[10] RAVAISSON, “Philosophie du dix-neuvième siècle”. (FB)
 
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Veja também em nossos websites o artigo “Filosofia e Religião”, de Farias Brito, que corresponde ao capítulo dez do volume um de sua obra “Finalidade do Mundo”.
 
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
 
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Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
 
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