A Felicidade da Paz Não é uma Dádiva
dos Céus: o Homem Deve Conquistá-la
 
 
Raymundo Pinto Seidl
 
 
 
Uma Cena da Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
 
 
 
Nota Editorial de 2017
 
A vida e o trabalho de Raymundo Seidl resumem nas primeiras décadas do século 20 as contradições e lutas do movimento teosófico após a morte de Helena Blavatsky em 1891.
 
Embora movido por um idealismo nobre e elevado, o movimento caiu nas ilusões produzidas pela pseudoclarividência ritualística de Annie Besant e seus assessores. O artigo a seguir, que aborda a primeira guerra mundial, menciona a expectativa sincera de que um Instrutor Divino venha de público a esta civilização para ajudar a humanidade.
 
A razão disso é que Annie Besant havia abandonado os ensinamentos originais de teosofia, preferia conversar com mestres imaginários, e estava dedicada à tentativa de inventar um “novo Cristo”.
 
O leitor encontrará em nossos websites associados vários artigos sobre o processo de fabricação de Jiddu Krishnamurti como falso avatar da “nova era”. [1] A ilusão estava no auge nos círculos esotéricos em 1918. Krishnamurti acabou com a farsa messiânica em 1929 e abandonou definitivamente o movimento teosófico.
 
O erro bem-intencionado de Seidl, ao acreditar na fraude adventista da pseudoteosofia, em nada prejudica o valor do presente artigo.
 
Para a teosofia original, não se trata de receber na Terra algum Mestre personalizado. Os instrutores nunca abandonaram a humanidade, mas trabalham sem alarde. Trata-se, isso sim, de fazer predominar em nosso planeta, passo a passo, a sabedoria universal comum a todos os povos. O conhecimento eterno não depende de algum “deus”, mas da alma espiritual de cada ser humano e da sua responsabilidade ética. O general Seidl é lúcido e possui bom senso. Apesar das suas limitações, sabe do fato básico:
 
“A felicidade na Terra não é uma dádiva dos céus. O homem deve conquistá-la pelo seu esforço perseverante e consciente.”
 
Na primeira metade do século 21, a essência do artigo de Seidl permanece perfeitamente atual.
 
O texto é reproduzido da revista “O Theosophista” de agosto de 1918, pp. 69-70. Título original: “O Quarto Aniversário da Grande Tragédia”. A ortografia foi atualizada.
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
 
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Quarto Ano da Guerra Mundial – 1918 
 
Raymundo Pinto Seidl
 
A grande tempestade de sangue, de ferro e de fogo continua a devastar terras europeias, repercutindo em todo o planeta, semeando a viuvez e a orfandade, destruindo velhos monumentos da civilização ocidental, arrasando cidades, talando os campos; e nos ares, sobre a terra e debaixo da terra, na superfície dos mares e debaixo das ondas, milhões de homens se digladiam, armas em punho, ferindo e matando com fúria infernal.
 
A Humanidade assiste à derrocada de uma civilização.
 
E se não fosse o concurso, primeiro da Bélgica, depois da Inglaterra, da Itália, Japão e Portugal, e, por fim, e principalmente dos Estados Unidos da América do Norte, a Alemanha teria conseguido vencer e aniquilar a França gloriosa.
 
Talvez falte ainda muito para a vitória final do Direito Humano. Talvez ainda outras nações venham a ter de concorrer com o esforço de seus soldados para a santa causa da Humanidade.
 
Porém, a todos os olhos já ressalta que a vitória final será ganha pelo Direito, contra a Força.
 
Mas, para que essa vitória seja completa e duradoura, indispensável é que todas as nações, aproveitando a dolorosa lição atual, reconheçam que a Paz somente reinará no planeta, quando o santo princípio da Fraternidade Universal constituir a nota fundamental das relações entre os povos, entre as classes sociais, entre os sexos.
 
Enquanto houver na terra povos explorados por outros, a pretexto de colonização; enquanto, dentro das nações, existirem classes sociais dominantes e classes sociais dominadas e exploradas; enquanto o homem não reconhecer que a mulher tem os mesmos direitos políticos e civis que ele; enquanto os animais continuarem a ser vítimas da gula e da ferocidade dos comedores de cadáveres – certo, não reinará a Paz na Terra, permanentemente.
 
E destruído o militarismo prussiano, instrumento da política de salteadores dos imperialistas germânicos, outros instrumentos de ódio, de conquista e destruição surgirão alhures; o ódio e a ambição deixarão de lado o emprego das armas, mas continuarão enlutando os corações, espargindo dores, com o concurso de outros meios.
 
Somente a difusão da Fraternidade entre todos os povos, e a extirpação da heresia da separatividade, levar-nos-ão ao reconhecimento das leis da Unidade, segundo a qual todos os seres constituem um Ser Único, manifestação de Deus [2] no plano objetivo e mudarão de fato e definitivamente o aspecto da vida humana sobre a Terra.
 
É preciso cumprir-se por toda a parte, e sempre, a lei da Fraternidade. Os sofrimentos de agora, não são mais do que as reações cármicas dos maus atos, más palavras e maus pensamentos de outrora. Todos nós, mais ou menos diretamente concorremos, portanto, para a dolorosa tragédia de hoje.
 
Cumpre aproveitarmos a dolorosa lição fazendo transcender o nosso amor da nossa família à nossa Pátria; da nossa Pátria à Humanidade; da Humanidade, a Deus.
 
Depende da nossa compreensão das leis divinas que regem a vida, e da exata obediência a essas leis, firmar-se a Paz.
 
A felicidade na Terra não é uma dádiva dos céus. O homem deve conquistá-la pelo seu esforço perseverante e consciente. E é tempo de fazê-lo.
 
O divino Instrutor da Humanidade, Aquele que há dois mil anos se manifestou na Palestina, mediante o corpo puríssimo de Jesus de Nazaré, apresta-se para novamente vir trazer à Terra a bênção da Sua presença consoladora. Mas preciso é que deixe o nosso planeta de ser um campo de lutas sanguissedentas, para que o Senhor do Amor e da Compaixão possa vir e demorar-se entre nós.
 
Unam-se todos os homens de boa vontade nesse esforço sublime de preparar o caminho do Divino Instrutor que se aproxima.
 
Objetivo mais alto do que esse, nenhum homem pode ambicionar. Façamos desse ideal a constante preocupação dos nossos dias, a fim de que a dolorosíssima lição de agora não fique desaproveitada.
 
R.S.
 
NOTAS:
 
[1] Leia entre outros, em nossos websites associados, os artigos “O Movimento Teosófico, 1875-2075”, “Fabricando um Avatar” e “Besant Anuncia Que é Mahatma”. (CCA)
 
[2] Em teosofia não há um deus monoteísta, mas uma pluralidade ilimitada de divindades nos mais diversos planos da realidade. O fato de que um deus “único” não existe fica claro se olharmos para o mundo das religiões monoteístas,  regido há milhares  de anos pela neurótica  disputa de poder entre numerosos deuses – cada um deles supostamente “único e onipotente” – que procuram prejudicar uns aos outros usando meios quase sempre questionáveis. Na primeira guerra mundial, por exemplo, diferentes deuses “monoteístas”, fabricados por sacerdotes e colocados a serviço de cada nação, abençoavam os diversos lados do conflito em suas batalhas sangrentas contra os demais.  (CCA)
 
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Veja em nossos websites associados, em PDF,  o livro “O Duque de Caxias”, de Raymundo Pinto Seidl. Leia também o artigo “General Raymundo Pinto Seidl”, de Aleixo Alves de Souza.
 
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