Como se Cria a Imagem
Que Um País Tem de Si Mesmo
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
 
 
Qual é o mais importante escritor brasileiro de todos os tempos?
 
Desde o ponto de vista da filosofia clássica, o maior escritor de um país não é necessariamente o mais famoso, nem o favorito da televisão. A posição de “maior escritor” não depende do tamanho da operação de marketing que haja em torno dele. É aquele cuja obra explica melhor o espírito do país ou do ser humano que o habita. Aquele que melhor descreve o passado e aponta um caminho para melhorar a evolução da vida.
 
No caso brasileiro, se levarmos em conta apenas a fama e o prestígio do autor, há dois candidatos naturais para esta posição: Machado de Assis e José de Alencar.
 
Os livros de Alencar (1829-1877) falam da formação do Brasil e trazem lições de ética e integridade. Os seus personagens mais famosos vivem junto da natureza: a paisagem faz parte da história. Os seus heróis respiram ar puro. O ambiente é épico e a alma das pessoas, valente. Seus personagens são psicologicamente profundos. O espírito de Shakespeare – a luta entre lealdade e deslealdade, entre grandeza e mesquinharia – é onipresente nas suas histórias.
 
Em Machado de Assis (1839-1908), por outro lado, o ser humano é urbano e egoísta, e a natureza está ausente. Reinam a neurose e uma certa hipocrisia na prosa irônica. Machado usa seu talento para descrever o brasileiro como um egocêntrico estreito que não acredita em valores morais.
 
Se a alma do Brasil estiver dividida, então pode-se dizer que Alencar e Machado são, ambos, o maior escritor do país.
 
Machado é o bruxo do Brasil sem ética, o filósofo do mentiroso esperto, do depressivo que ri do mundo porque perdeu a esperança. José de Alencar pensa o Brasil construtivamente desde antes da chegada dos europeus até a década de 1870. Ele sabe que um cidadão de caráter é a base de um país próspero e justo, e inspira o lado saudável da nação.
 
Sílvio Romero, autor de uma História da Literatura Brasileira em cinco volumes e pensador comprometido com o futuro do Brasil, bateu de frente com Machado por causa da falta de caráter na sua obra e na sua visão derrotista da vida.
 
Gilberto Freyre, outro grande pensador, escreveu:
 
“Do paisagismo agreste e corajosamente tropical no romance de José de Alencar, em contraste com a quase ausência de paisagem, de cor e de trópico em Machado – e na literatura brasileira ninguém mais se fechou às cruezas da paisagem tropical do que Machado, do mesmo modo que ninguém excedeu José de Alencar no gosto e na eloquência de associar ao drama dos homens a exuberância de paisagens brasileiras – talvez se possa dar explicação, se não ortodoxamente psicanalítica, psicológica. Explicação que se junte à social, ou sociológica, para nos esclarecer a abundância de árvore, de mata, de queda-d’água, de cascata, de selva nas principais novelas do cearense, notáveis também pelo fato de nelas virem quase sempre destacadas as cabeleiras fartas das heroínas, numa como ostentação do vigor tropical de mulheres que fossem expressão do viço maternal das selvas, das matas, das águas brasileiras.” [1]
 
Em José de Alencar, o Brasil está longe de ser perfeito, e o fato reflete a imperfeição humana. Mas a honestidade predomina, a ignorância espiritual não é todo-poderosa, as pessoas são capazes de ações altruístas com sacrifício da sua própria vida, e a justiça guia os acontecimentos. É com estes fatores que se constrói um país.
 
Sílvio Romero está certo em afirmar que a história da literatura de um povo é também a história do povo. Os escritores e pensadores criam o país num plano subjetivo, interior, que depois se expressa através de ações.
 
É recomendável observar bem a quem escolhemos como nossos melhores escritores, e saber se predomina a integridade em suas almas. O Brasil nasceu em grande parte no Nordeste. Há um Brasil essencial, não sem falhas, mas valioso, nos livros de José de Alencar. Através de obras como “Ubirajara”, “O Guarani”, “Iracema”, “Senhora”, “O Tronco de Ipê”, “O Garatuja”, “Til” e “O Sertanejo”, José de Alencar construiu no país uma imagem positiva de si mesmo que é correto preservar.
 
NOTA:
 
[1] “Vida, Forma e Cor”, de Gilberto Freyre, Editora Record, RJ, Brasil, 1987, 324 pp., p. 123.
 
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O artigo acima foi publicado como item independente nos websites associados no dia 02 de agosto de 2021. Uma versão inicial dele é parte da edição de dezembro de 2020 de “O Teosofista”, pp. 1-3.
 
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Veja também:
 
 
 
 
Leia a nota “Compreendendo o Futuro da Humanidade”, que aborda o livro “O Futuro da Ficção”, de António-Pedro Vasconcelos. O curto artigo está na edição de julho de 2020 de “O Teosofista”, p. 18.
 
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 
 
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