É a Força Moral dos Povos
Que Possibilita a Democracia 
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
Laotse, ou Lao-tzu, o lendário sábio chinês que está na origem do taoísmo
 
 
 
A ideologia materialista promove a futilidade, o consumismo e o narcisismo das elites. Os resultados são a inveja, o desespero e a violência na sociedade como um todo.
 
De outro lado, a filosofia do respeito pela vida aponta para um futuro saudável. Onde a presença da alma é reconhecida, os desafios podem ser superados. Há uma unidade misteriosa e cíclica entre o melhor do passado e o melhor do futuro, e o sábio chinês Lao-tzu ensinou:
 
“Os líderes iluminados dos tempos antigos limitavam o que retiravam dos seus súditos e eram moderados em sua própria vida. Eles sempre avaliavam a produção anual antes de tomar qualquer coisa para si: calculando os estoques das pessoas, eles só cobravam impostos depois de saber se havia lucros ou prejuízos. Assim, eram capazes de compartilhar do que era recebido do céu e da terra, e evitar as aflições da fome e do frio. A compaixão deles pelas pessoas era tamanha que não tomavam comida para si mesmos se havia qualquer fome no país, e não usavam roupas grossas de couro se as pessoas passavam frio. Eles compartilhavam as mesmas dores e prazeres do povo, de modo que em toda a terra não havia pessoas marginalizadas.” [1]
 
Na sociedade decadente, os “famosos” esbanjam dinheiro e sonegam impostos para admiração dos seus fãs. A mídia, quase sempre a serviço do egoísmo, aplaude e faz propaganda da maldade, em troca de dinheiro sujo.
 
O desprezo pelos valores morais gera grandes quantidades de rancor, começando no plano subconsciente. E a “violência popular”, que aparece aqui ou ali como tentação para iludir os ingênuos, produz apenas mais violência contra o povo. A confusão nas ruas se volta contra os pagadores de impostos e os trabalhadores honestos.
 
A ação eficaz para melhorar a sociedade é pacífica e educativa. Atua pela construção independente do que é bom e pela transmissão do exemplo correto.
 
Os cidadãos equilibrados seguem a voz da sua consciência. Eles ficam de fora do hipnotismo social do materialismo e da irresponsabilidade dos que preferem não pensar. Uma direita corrupta e uma esquerda imoral não podem beneficiar país algum. São ambas sócias entre si, ao enganar o povo. Acabam por destruir a si mesmas.
 
A sabedoria milenar da China afirma, nas palavras do “Wen-tzu”:
 
“Se são estabelecidas leis e é criado um sistema de recompensas, e no entanto tal fato não influencia os costumes nem muda a moral, isso significa que está faltando a aceitação do coração sincero. Por isso, escute as músicas do povo e você conhecerá seus hábitos; observe como o povo se diverte e conhecerá os seus costumes. Quando enxergar seus costumes, você conhecerá o seu desenvolvimento.”
 
O trecho revela que o progresso de um povo pode ser destruído pela música e pela arte. Quando as canções e os artistas atacam ou desprezam os sentimentos de bondade, servem apenas para provocar impulsos animais e para boicotar a voz da consciência espiritual. [2] O cidadão que respeita a vida caminha na direção oposta.
 
O Wen-tzu prossegue:
 
“Aqueles que aceitam a realidade e praticam a verdadeira sinceridade movimentam os espíritos do céu e da terra, independentemente de convenções, ordens e proibições. Eles trilham seu caminho e alcançam aquilo a que aspiram graças à sinceridade.” [3]
 
Algumas das políticas econômicas dominantes no início do século 21 desprezam a vida. A tecnocracia trata as máquinas como deusas e os seres humanos como coisas. A teologia do dinheiro, baseada no dogma do cartão de crédito, marginaliza o povo trabalhador e produz desemprego. A adoração do dinheiro corrompe as elites e humilha a classe média. Assim a arte fica prostituída. O materialismo exacerbado leva ao desespero e ao uso das drogas. Quando o dinheiro é colocado no centro de todas as coisas, o egoísmo e a mentira dominam a atmosfera humana. Este, seguramente, não é o caminho para a paz.
 
A falsidade deve dar espaço para sentimentos honestos.
 
O hábito de falar a verdade torna possíveis duas realidades inseparáveis: a justiça social e a ética na política. A ordem produz progresso. As nações merecem ser respeitadas em sua independência. Cada país deve ter a sua autonomia. A motivação altruísta das comunidades vence cedo ou tarde a ignorância espiritual das elites cegas.
 
Todo líder político que ignora a voz da consciência, que não busca o bem-estar do povo ou que mente à nação não merece ser um líder político. Mas para que o povo seja respeitado, é preciso que ele aja à altura.
 
O escritor brasileiro Malba Tahan afirmou:
 
“É um erro julgar-se que a excessiva liberdade é um bem. (…) Não há liberdade senão quando só se faz o que é direito e justo. A liberdade não é apenas um direito; é, também, uma séria responsabilidade. Não consiste a liberdade em fazer o que se quer, mas em fazer o que se deve.”
 
E Tahan esclarece:
 
“O direito sem o dever é anarquia; o dever sem o direito é escravidão. O direito e o dever, ligados indissoluvelmente um ao outro, são a liberdade. A liberdade é mais vezes destruída pelos seus excessos do que pelos seus inimigos.” [4]
 
A moderação protege a liberdade. A força moral de um povo possibilita a democracia. A sabedoria garante a existência da paz, e cedo ou tarde o povo sábio e justo tem o governo que merece. Antes de desejar, portanto, é preciso merecer e esperar o tempo certo do renascimento da harmonia.  
 
NOTAS:
 
[1] “Wen-tzu, a Compreensão dos Mistérios”, Ensinamentos de Lao-tzu, tradução do Chinês, Thomas Cleary, tradução do inglês, Carlos Cardoso Aveline, Ed. Teosófica, Brasília, 2002, 198 pp., ver p. 164.
 
[2] Clique para ler o artigo “O Carma da Mídia, da Arte e da Literatura”.
 
[3] “Wen-tzu, a Compreensão dos Mistérios”, obra citada, ver p. 47.
 
[4] “Lendas do Céu e da Terra”, Malba Tahan, Editora Conquista, Rio de Janeiro, 1956, 222 pp., ver pp. 42-43, narrativa “O Rei e os Peixinhos do Lago”.
 
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O texto acima foi publicado em nossos websites associados dia 04 de dezembro de 2018.
 
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