Nossa Consciência é um Instrumento de
Percepção Que Deve Ser Cuidado a Cada Dia
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
Limpando as Lentes do Telescópio
 
 
 
O filósofo eclético francês Victor Cousin (1792-1867) escreveu sobre a necessidade de conhecer a si mesmo antes de pretender conhecer o mundo. 
 
Na verdade, estes dois níveis da busca de conhecimento estão intimamente ligados e influenciam um ao outro o tempo todo. Cousin está basicamente correto: uma auto-observação eficiente é fundamental para que se possa observar a realidade ao nosso redor.  
 
Comentando o diálogo platônico “Primeiro Alcibíades”,  Cousin escreveu sobre a necessidade de autoconstrução e autopreparação, se quisermos obter real conhecimento:
 
“Ignorar a si mesmo é ignorar o único instrumento que se pode usar; é ignorar a medida de suas forças, e por consequência, condenar a si mesmo a empregá-las cegamente e expor-se a inúmeros erros de orientação. O conhecimento de nós mesmos é, portanto, a base de todo conhecimento estável. Isto não é tudo: nós tampouco podemos ter ideia alguma da causa primeira ou da substância infinita, se não tivermos uma ideia clara do que é uma causa e uma substância; e esta ideia é algo que ninguém nos pode dar, exceto nós mesmos.”
                   
Em seguida, Cousin acrescentou:
 
“Assim, seja quando observamos as coisas em profundidade, seja quando nos detemos na questão preliminar de toda filosofia sábia, que é a questão do método, reconhecemos que o estudo da natureza humana é a preparação necessária a todo conhecimento legítimo, e que a psicologia serve de base à ontologia e à própria teologia.” [1]
 
Este enfoque coincide com a visão teosófica. A filosofia esotérica de Helena Blavatsky ensina que a chave do conhecimento do cosmos está na relação direta que existe entre cada indivíduo e o universo. O homem é um resumo do sistema solar.  Cada um de nós é a única luneta, e o único  telescópio ou microscópio pelo qual podemos olhar para o mundo e compreendê-lo. 
 
A tarefa do estudante de filosofia inclui, portanto, inevitavelmente, a necessidade de observar e compreender como funciona este instrumento de busca da verdade, o seu próprio eu inferior. É preciso regular as lentes desta luneta. É um dever fundamental limpá-las de lixo e pó, para que elas possam refletir a verdade.  
 
A Teosofia Eclética e a Sabedoria Oriental  
 
O valor teosófico da vida e da obra de Victor Cousin é inegável. 
 
Combatido pelos jesuítas e pela igreja católica, ele tem uma visão universal da vida. Ele aceita e discute os diferentes sistemas filosóficos.  Ele acredita no livre-pensamento. Cousin defende a tese de que existe uma sabedoria transcendente e eterna; e afirma que ela deve ser buscada com independência em relação a qualquer organismo religioso.
 
No âmbito da filosofia ocidental, Cousin ajudou a preparar a descoberta gradual de algo que ainda hoje é ignorado por alguns: o fato de que os países do Oriente possuem filosofias de grande valor e importância, muito mais antigas que a filosofia clássica ocidental.
 
A escola eclética de Cousin foi uma das primeiras da Europa moderna que levaram em conta e valorizaram as filosofias budistas e a filosofia vedanta.  
 
Referindo-se à Grécia antiga, Cousin afirmou: 
 
“A língua, a escritura, o alfabeto, os procedimentos industriais, as artes mecânicas, as formas primitivas de governo, o caráter inicial da arte, o culto primitivo, tudo isto é oriental;  é sobre esta base estrangeira que se desenvolveu o espírito grego; este foi o ponto de partida para que se chegasse a esta forma original e admirável que chamamos de forma grega por excelência. Ocorreu o mesmo com a filosofia.” Cousin destaca que na Grécia, como no Oriente, a filosofia estava ligada à religião. [2]
 
As evidências das origens orientais da filosofia ocidental são numerosas.  O diálogo cultural entre a Índia e a Grécia tem sido estudado e documentado desde vários ângulos. O filósofo francês Émile Bréhier seguiu o exemplo de Cousin e discutiu o assunto durante a primeira metade do século vinte. [3]  Há incontáveis pontos em comum entre a filosofia ocidental e a Raja Ioga e a Jnana Ioga. Pitágoras foi um estudante da sabedoria oriental, conforme Helena Blavatsky demonstrou [4], e Platão estudou as filosofias do Oriente através dos escritos pitagóricos e dos Mistérios egípcios.
 
NOTAS:
 
[1] “Fragments de Philosophie Ancienne”, Victor Cousin, Didier Libraire-Éditeur, Paris, nouvele edition, 1855, 455 pp., ver pp. 201-202. 
 
[2] Ver “Introduction a L’Histoire de la Philosophie”, Victor Cousin,  Didier Libraires-Éditeurs, Paris,  1861, 345 pp, ver pp. 32-33.  
 
[3] Veja “Histoire de la Philosophie”, de Émile Bréhier, Presses Universitaires de France, Tome Premier, Fascicule I, Période Hellénique, 1948, 264 pp., Introduction, pp. 5-11. Um artigo importante sobre o tema é “The Cultural Symphony of India and Greece”, de Lokesh Chandra, publicado no volume “The Adyar Library Bulletin”, Vol. 50, 674 pp., 1986, pp. 1-20. Veja também o livro “The Platonic Quest”, de E. J. Urwick, Concord Grove Press, USA, 1983, 262 pp.
 
[4] Leia o artigo “Eastern Sources of Pythagoras”, de Helena P. Blavatsky. O texto consiste de uma compilação de fragmentos de HPB e está disponível em nossos websites associados.
 
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A respeito de Victor Cousin e sua filosofia, veja também o artigo “A Necessidade do Infinito”, de Carlos Cardoso Aveline.
 
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
 
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Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
 
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