Nenhuma Nação Precisa Viver
Imitando Infantilmente Outros Povos
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
 
 
No capítulo final do seu livro “Interpretação do Brasil”, Gilberto Freyre examina uma questão histórica incômoda:
 
O Brasil será mesmo independente, ou continua sofrendo de uma mentalidade cultural colonialista e tratando de imitar acriticamente, como criança pequena, o que fazem os países economicamente mais fortes?
 
Freyre cita estas palavras de um personagem do romance “Canaã”, de Graça Aranha:
 
“Os senhores falam em independência, mas eu não a vejo. O Brasil é e tem sido sempre colônia. O nosso regime não é livre (…..). Diga-me você: onde está a nossa independência financeira? Qual é a verdadeira moeda que nos domina? Onde o nosso ouro? Para que serve o nosso miserável papel se não para comprar [e cita o nome de uma moeda estrangeira]?” [1]
 
A obra “Interpretação do Brasil” foi publicada na primeira metade do século vinte. Algumas décadas mais tarde foi a vez do respeitado pensador marxista Caio Prado Jr. levantar a mesma questão, denunciando que o “pensamento de esquerda”, no Brasil, havia se limitado desde o início a imitar mecanicamente experiências de outros povos. Caio Prado, vítima do seu tempo, tinha a dose necessária de ingenuidade para pensar que o marxismo era “científico”,  mas pelo menos ousava querer que a esquerda brasileira pensasse por si mesma, e que adotasse como ponto de vista a experiência histórica do seu país. [2]
 
A discussão levantada por Gilberto Freyre e Caio Prado Jr. permanece cada vez mais atual no século 21. Possui tanta importância no Brasil como em Portugal e nos demais países lusófonos, e é igualmente decisiva em todos eles.
 
Destituídos de uma consciência histórica, roubados do sentimento de gratidão pelos que construíram o seu país, milhões de cidadãos deixam-se levar pela propaganda dos meios comerciais de comunicação e acreditam, subconscientemente, que o amor ao país em que vivem é um sentimento anacrônico e que deve ser deixado de lado.  
 
Estão enganados.
 
Imitar o comportamento de outros povos é a versão moderna das relações feudais de produção.
 
Os “famosos” de hoje são a versão eletrônica dos antigos barões e viscondes da idade média e do tempo colonial. Pertencem ao passado. Copiar os costumes de outros países é uma ação retrógrada, assim como acompanhar as futilidades pessoais de indivíduos que a mídia considera “notáveis”. Um povo maduro é consciente da sua trajetória evolutiva. Uma pessoa dotada de bom senso trata da sua própria vida e pensa o melhor para a comunidade em que vive.
 
O primeiro passo para o progresso verdadeiro – individual e coletivo – está em pensar por si mesmo.
 
Criando uma Visão de Mundo
 
Há sempre luzes acesas na trajetória dos povos. Cabe estimulá-las. Farias Brito é considerado o principal filósofo brasileiro. A sua obra se destaca exatamente porque Brito não afiliou-se a esta ou aquela corrente internacional de pensamento filosófico, mas trabalhou na criação de um pensamento universalista brasileiro e clássico.[3]
 
Até hoje a obra de Farias Brito é ignorada por pensadores que preferem adotar ares de marxista, pelos que repetem de modo automático os dogmas da igreja católica, ou aderem mecanicamente aos “valores” do consumismo financeiro internacional.
 
Não por acaso a obra de Farias Brito coincide com a teosofia.
 
A filosofia esotérica clássica é autenticamente universal. Sendo abrangente, ela é aberta à diferença, e não busca suprimir, mas antes valoriza a cultura específica de cada povo, no que há de mais elevado e inspirador. [4]
 
A teosofia ensina que a fraternidade universal não surge da eliminação das diferenças entre os povos. Ela discorda de quem pensa que todos devem ser capitalistas neste planeta, ou todos cristãos, ou taoistas, ou partidários do neoliberalismo. [5] A filosofia clássica propõe o respeito mútuo e a aceitação das diferenças interculturais. Ela defende a autodeterminação de cada comunidade.
 
Deste ponto de vista, o tema do amor ao país em que vivemos e do compromisso com o futuro da nação deixa de ser visto como desprezível e passa a ser reconhecido como central.
 
O respeito pela comunidade é como o amor à família. Jamais se separa da autoestima do indivíduo ou da valorização dos princípios morais. O compromisso com um país anda ao lado da amizade pelos outros povos: a xenofobia, o nacionalismo agressivo, é uma doença a ser evitada.
 
A Energia da Boa Vontade
 
Cada vez que a atitude construtiva é deixada de lado, aquele que a abandona é o primeiro prejudicado, saiba disso ou não.
 
Seria errado pensar que pode haver ética na política de algum país se não houver suficiente honestidade moral na média das relações afetivas, na família e nas relações pessoais; ou se não existir uma postura ética na relação de cada cidadão com sua própria alma. Porque tudo se comunica e nada existe de isolado no universo.
 
O pensamento político de esquerda, assim como o pensamento político de direita e de centro, só tem a ganhar – portanto – se perceber a centralidade e o caráter decisivo do amor ao país em que vivemos.
 
Todas as formas “progressistas” e “conservadoras” de pensamento político perdem força se considerarem que conceitos como família, lar, nação, e os valores morais são coisas que se deve esquecer.
 
A mera imitação não permite acumular experiência própria. Só o povo que escuta a si mesmo constrói um futuro saudável. Seguir o exemplo elevado de outros é bom, quando examinamos corretamente o exemplo a ser seguido e não agimos de modo superficial, mas levamos em conta a nossa realidade.
 
A Força Moral dos Povos
 
Quando a população possui uma consciência histórica adequada, é fácil chegar a um projeto de futuro saudável. Se existe uma boa quantidade de força moral, se as famílias estão eticamente bem estruturadas e harmoniosas, a comunidade tem mérito cármico suficiente para que seus dirigentes sejam honestos.
 
Num país que enfrenta decadência, a mídia e as empresas comerciais propagam os mais variados tipos de imoralidade como se fossem coisa “moderna”, enquanto o roubo do patrimônio público se alastra. Não é coincidência.
 
Cabe lembrar que cada tipo de imoralidade reforça e estimula todos os outros tipos de ação indigna.
 
Alguns meios de comunicação são ingênuos – ou hipócritas. Parecem combater uma forma de corrupção, enquanto divulgam, publicitam e apoiam outras formas de crime, indecência e desonestidade. E no entanto os comunicadores sociais sabem perfeitamente que tudo se comunica na alma humana.
 
A solução é simples.
 
Desde os tempos mais remotos, é a força moral dos povos que transmite ética a governos, parlamentos e tribunais.
 
Rancor gera rancor. São os sentimentos construtivos que produzem respeito e boa vontade. O cidadão consciente é a causa central da mudança para melhor. A família, a empresa, a associação e a comunidade são resumos dinâmicos da nação e podem agir criativamente para melhorar o todo. Amor, conhecimento e defesa andam juntos.
 
É preciso conhecer do modo certo um país para amá-lo, e para defender a sua independência evolutiva. 
 
NOTAS:
 
[1] “Interpretação do Brasil”, Gilberto Freyre, Livraria José Olympio Editora, 1947, RJ/SP, 323 pp., ver pp. 299-300.
 
[2] “A Revolução Brasileira”, Caio Prado Junior, Ed. Brasiliense, SP, quinta edição, 1977, 269 pp., pp. 30-31.
 
[3] Clique para ver escritos de Farias Brito em nossos websites associados. Há também alguns textos e livros sobre Farias Brito nesta seção dos nossos websites.
 
[4] Veja a propósito dois ensaios de Franco Montoro. Basta clicar: “Filosofia do Direito e Colonialismo Cultural” e “Significação da Filosofia no Contexto Brasileiro”.
 
[5] A ideologia neoliberal é uma visão de mundo materialista que julga estar destinada a dominar o planeta para sempre. Geralmente chama os seus dogmas autoritários de “consenso”, e atribui a si mesma a palavra “modernidade”.  Entre os sacerdotes de mais destaque do neoliberalismo estão funcionários de Bancos Centrais que veem com reverência o Fundo Monetário Internacional. O neoliberalismo costuma tratar chefes de estado como seus servidores e funcionários subalternos. Para os fiéis mais fervorosos desta crença monoteísta, a única divindade é o dinheiro.
 
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O artigo acima foi publicado dia 27 de junho de 2018.
 
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