A Teosofia Ensina a Preservar a Força Interior
 
 
Theosophy
 
 
 
 
 
Em épocas mais simples, antes da era da especialização e das viagens, os problemas da vida parecem ter sido menos numerosos e menos complexos. As batalhas que as pessoas travavam estavam mais perto de suas casas. Exceto por algumas explosões ocasionais de controvérsia, quando havia eleições, os assuntos que se discutia envolviam normalmente a terra, a família, e a comunidade em que se vivia.
 
Com o surgimento das agências de notícias, porém, os assuntos de cada um passaram a ser motivo de preocupação de todos os outros, tanto individualmente como entre nações. O rádio, a televisão e os jornais quebraram os muros do isolamento, é verdade . Mas, ao fazê-lo, abriram uma Caixa de Pandora de problemas que literalmente clamam por solução. Com poucas exceções, os indivíduos não têm qualificação para resolvê-los, e tampouco possuem suficiente concentração para ignorá-los.
 
Talvez um dos problemas mais difíceis da era atual seja saber o que é importante, e o que não é; e decidir qual dos problemas que confrontam a humanidade deve receber atenção, e quais não devem; decidir, em resumo, exatamente onde deve-se definir os limites da batalha a ser travada na vida pessoal e individual. Porque parece claro que nenhum mortal comum pode ter a pretensão de enfrentar todos os problemas da raça humana, do país e da comunidade a que ele pertence.
 
Este talvez seja o principal problema: há gente demais querendo fazer coisas em excesso. As pessoas estão tentando ser autoridades em assuntos excessivamente numerosos. Estão aventurando-se muito longe de casa, tanto intelectual como corporalmente, e desperdiçando, ao invés de conservando, as suas energias. Há um adágio que afirma: “o que diz respeito a cada um não diz respeito a mais ninguém”; e ele nos leva a perguntar-nos se a quantidade crescente de problemas não é resultado do fato de que estamos excessivamente inclinados a sobrecarregar-nos com os deveres de outras pessoas, dando pouca atenção aos nossos próprios deveres. “O dever de outra pessoa é cheio de perigo.”
 
H.P. Blavatsky diz que a energia psíquica [1] é como capital, de modo que se alguém ganha um dólar por dia e gasta dois, sua conta terá um déficit de 30 dólares no final do mês.
 
A mensagem desta imagem simbólica é óbvia. Quem é que nunca experimentou a necessidade de economizar, em algum momento da sua vida? Quem nunca enfrentou o problema de gastar em excesso, e não resolveu viver de modo mais simples e frugal no futuro? No entanto, a prioridade que se dá aos negócios, nos tempos atuais, faz com que raramente um cidadão ocidental use este princípio da economia além dos limites da realidade monetária, embora este princípio seja absolutamente universal. Esta é a lei do plantio e da colheita, de oferta e demanda, que é apenas um aspecto da Lei única e universal do Equilíbrio, ou Carma.
 
O gasto de energia psíquica daria um retorno maior, sem dúvida, se os seres humanos aplicassem às suas vidas psíquicas, mentais e emocionais os mesmos princípios de economia que eles empregam às suas finanças.
 
Por onde, então, devem passar os limites do campo de batalha? Onde devem ser empregadas as nossas energias? Devemos lutar pela causa de uma política melhor, e declarar uma guerra pessoal contra cada abuso que descobrirmos nos mil e um setores da administração pública? Devemos lutar por uma reforma da alimentação, e despertar a consciência das pessoas em relação ao fato de que elas estão sendo gradualmente envenenadas, sem que saibam, pela atividade impiedosamente mercenária dos que trabalham com produtos químicos? Devemos escrever contra o alcoolismo, contra a delinquência juvenil, contra a guerra? Sem dúvida, várias encarnações de devoção e uma verdadeira fortuna em energias psíquicas e criativas poderiam ser gastas pela causa de uma melhor saúde física. Outras tantas vidas se iriam na tarefa ingrata de melhorar a vida familiar; e uma cruzada contra a corrupção nas empresas privadas poderia esgotar a vitalidade dos cidadãos mais cheios de energia.
 
De vez em quando, os estudantes de Teosofia são criticados porque não entram naqueles campos de conflito que chamam a atenção de outras pessoas, e pelo “fanatismo” – um rótulo usado, às vezes – com que eles se dedicam à sua Causa.
 
“Vocês, teosofistas”, disse um homem certa vez, “estão demasiado envolvidos com a sua filosofia, demasiado indiferentes às questões do dia-a-dia, e qualificam com demasiada frequência os problemas como questões laterais. E estes seus Mahatmas, como é que eles podem permanecer tão despreocupados em relação à política, dando pouca atenção, como é evidente, a qual dos partidos ou dos candidatos chega ao poder?”
 
A resposta parece simples.
 
Nem os Mahatmas, nem os teosofistas, seus humildes estudantes e colaboradores, são indiferentes a coisa alguma. O que ocorre é que eles estão aplicando, ou tentando aplicar, as leis da economia, e perceberam, pelo menos em parte, onde é que as suas energias podem ser gastas para o maior proveito do maior número de almas.
 
Embora isso não seja feito no seu esforço coletivo pela Causa da Teosofia, individualmente os teosofistas têm toda liberdade para defender qualquer reforma social ou religiosa que sintam que é necessária. Podem fazer campanha por qualquer partido político ou candidato que considerem correto; e travar quaisquer batalhas que quiserem. Alguns teosofistas se engajam de fato nas questões do dia-a-dia e devotam as suas energias a causas que consideram valiosas; e frequentemente se arrependem.
 
Mas será que o fato de que eles se dediquem a tais questões anula o fato que é a lei da economia? Será que isso significa que toda boa causa, como há sempre muitas no mundo, deve ter o apoio pessoal e ativo de todos, sem levar em conta o carma, o dever, e a liberdade de escolha? Será que isso elimina o fato de que a energia psíquica é limitada em cada ser humano? Os teosofistas são necessariamente amigos de todos os movimentos úteis no mundo, e dão apoio moral a todo esforço que aponte na direção da liberdade e da fraternidade humanas. Mas depois que um indivíduo alcançou uma certa percepção da meta, do propósito e dos ensinamentos do Movimento Teosófico atual, uma vez que ele adquire a convicção de que cada ser humano, carmicamente, tem um dever a realizar e de que a lei requer de cada um apenas aquilo que ele pode e deve fazer, ele compreende o valor do discernimento, da frugalidade, e da concentração. Então ele saberá o significado da expressão “questões laterais”, e verá a necessidade de conservar e preservar suas energias.
 
Parece que pouca gente, mesmo entre estudantes de filosofia esotérica, percebe que a maior parte das batalhas que as pessoas travam hoje em dia são pessoais -; que elas têm o seu início e o seu final no nível de plano da mente (Manas) inferior -, isto é, no plano dos desejos, das emoções e das meias-verdades pessoais. Raramente é promovida uma cruzada pela causa de uma justiça pura e igual para todos, sem preocupação com o eu, e sem distinção de raça, credo, sexo, condição social ou organização. Nossas batalhas, quase sem exceção, são instigadas e sustentadas por um autointeresse pessoal, organizacional ou nacional. Que país, por exemplo, em sua luta pela justiça, é tão veemente na defesa dos direitos dos outros quanto na defesa dos seus próprios direitos? Qual o indivíduo que, em sua interação diária e a cada momento com os outros, reduz os sentimentos e opiniões pessoais ao mínimo, e tem como meta apenas a causa da compreensão, da cooperação e da boa vontade? Qual o homem ou a mulher, de qualquer raça ou país, que age com base no princípio de que todo verdadeiro progresso deve ter uma base espiritual ou de alma, e que todas as questões são essencialmente morais? A controvérsia e a argumentação, o confronto de um ponto de vista pessoal contra outro, mesmo quando é vitorioso, só pode resultar em “mudança”; uma mudança de uma posição manásica inferior para outra. E “mudança”, disse Abraham Lincoln, “não deve ser confundida com progresso”. “O verdadeiro progresso”, disse ele, “está sempre em relação com o coração”.
 
São muitas as maneiras pelas quais a energia espiritual e dinâmica da alma é desperdiçada -; e a principal delas talvez seja a conversa. A argumentação, a controvérsia, as acusações, a fofoca – são todas manifestações da mente inferior, e todas se expressam através da fala. E o que dizer do hábito quase universal de falar muito, mesmo tendo pouco ou nada a dizer? Será que pensamos que esta é uma forma pequena e insignificante de perda de energia psíquica? Será sem motivo o fato de que, no capítulo doze do “Bhagavad Gita”, Krishna elogia seu querido servidor “que é de poucas palavras”? Segundo “A Doutrina Secreta”, de H.P. Blavatsky, o ato de pronunciar uma simples palavra evoca uma potência – espiritual, psíquica, e física -; porque a fala é feita de som, e o som é uma das forças fundamentais do universo.
 
Há muito tempo o controle da fala é considerado uma disciplina essencial no caminho da evolução moral e manásica (mental), e um fator poderoso na conservação da energia da alma. O êxito neste caminho pode ser corretamente medido se observamos a quantidade de energias que antes eram colocadas em função de metas irrelevantes ou desnecessárias, e que passam a ser redirecionadas por canais úteis. Como um indivíduo que desperdiça os seus recursos poderá estar à altura de uma emergência, quando ela surgir? Como alguém que está falido, ou impossibilitado de agir, poderá desenvolver um trabalho bom e eficiente? Os estudantes de filosofia esotérica têm a obrigação, perante si mesmos e perante os outros, de estabelecer um equilíbrio em todos os aspectos de seu ser, e incluir como parte da sua disciplina a obtenção de um bom sono, um bom divertimento e um bom descanso – “sem que haja excesso ou falta”, segundo o “Bhagavad Gita” – e de extinguir as suas chamas kama-manásicas. [2] As energias da Alma devem ser dirigidas desde o ponto de vista do Observador.
 
“Aquele, oh, filho de Pandu, que, como alguém que não pertence a lado algum ….., que possui uma mente constante e equânime em relação a aqueles que ama ou de quem não gosta ….. e é igual em relação ao lado que é amigável e ao lado que é inimigo; aquele que promove apenas as ações necessárias, um ser assim, reuniu as qualidades.” (“Bhagavad Gita”)
 
Não é a ação necessária que desperdiça a energia da alma; mas apenas aquelas atividades que são desnecessárias. Não são os empreendimentos legítimos dos indivíduos que levam à ansiedade, à preocupação e ao medo; mas só aqueles objetivos que eles assumiram como seus de modo indiscriminado. Tampouco o dever cármico e obrigatório é, jamais, um peso para a alma. As pessoas criam os seus próprios problemas e exaurem o seu capital psíquico diariamente, quando se envolvem com situações nas quais deveriam permanecer desapegadas, quando falam em situações em que deveriam permanecer em silêncio, quando tomam partido em situações em que deveriam permanecer neutras, e quando argumentam e discutem no plano de kama-manas, quando deveriam estar buscando orientação no verdadeiro Eu. No entanto, é possível, segundo as palavras de Walt Whitmann, “caminhar em silêncio entre conflitos verbais e afirmações, sem rejeitar os que lutam, e sem rejeitar nada do que foi dito.” Mesmo em meio ao tumulto da vida deste século, é possível para qualquer ser humano erguer-se internamente acima do barulho e dos estrondos, aprender a distinguir as questões vitais das “questões laterais”, e assim consagrar as suas energias ao bem da humanidade.
 
Ishwara, o eu superior, está perfeitamente consciente das inúmeras questões e problemas que reduzem a vitalidade do homem comum, mas, como ele sabe que eles são em grande parte produto da mente inferior, não se preocupa com eles. Manas [a Mente] Inferior dispersa a energia da alma – e Manas Superior conserva a energia.
 
“O coração tem cento e um canais, e deles se passa para a coroa. Subindo a partir da coroa, chega-se ao que é imortal. O outro caminho oscila para-lá e para-cá.” (Katha Upanixade)
 
NOTAS:
 
[1] Em teosofia, a palavra “psíquico” se refere ao eu inferior ou alma mortal. O eu superior ou espírito imortal é qualificado como o nível “noético” do ser. Assim como a palavra “psíquico” vem do termo de origem grega “Psiquê”, a palavra “noético” deriva do termo grego “Nous”. Este artigo aborda, portanto, o tema da conservação das energias do eu inferior, alma mortal. (CCA)
 
[2] “Chamas kama-manásicas”os impulsos dos sentimentos e pensamentos inferiores. (CCA)
 
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O texto acima foi traduzido da revista “Theosophy”, edição de February 1961, pp. 168-172. O título original é “Conservation of Soul Energy”.
 
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Para conhecer a teosofia original desde o ângulo da vivência direta, leia o livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.
 
 
Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.
 
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