Tudo Passa, Menos o Tempo e o Espaço,
Cujas Balizas se Perdem no Incognoscível.
 
 
Augusto de Lima
 
 
A Dimensão Infinita do Tempo
 
 
 
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Nota Editorial:
 
Há momentos na vida em que o  indivíduo se
reencontra  com a vivência de outros tempos, passados
e futuros.  Então o instante presente fica mais intenso.
 
(CCA)
 
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Mais um ano que passa …  Não: nós é que passamos mais uma  etapa no Tempo. Este é imutável: nunca foi novo e nunca será velho. A humanidade só o concebe na relatividade das sucessões, dividindo-o, com o seu critério contingentemente subjetivo, em passado, presente e futuro.
 
Nas subdivisões em anos, meses e dias não consegue isolá-lo do Espaço, onde se operam as rotações e translações  dos corpos celestes, pelas quais se guiam os calendários.  Sim, transitórios somos nós, astros, rocha, flora, fauna, espécie humana.  Tudo passa, menos o Tempo e o Espaço, cujas balizas se perdem no Incognoscível.[1] Isto deve estar em todas as filosofias que não se contentam com os sonhos puros da razão, que tudo procura explicar, mas que não chega a dar “razão” de si mesma …
 
Restam os Números; mas estes também não têm limites conhecidos, nem nas adições, nem nas divisões de que são suscetíveis. Os senhores matemáticos, com toda a sua pretensa exatidão, recorrem às teorias do Infinito, que eles ainda não puderam definir, como os seus colegas da física, da química e da biologia, e todos vão afinal mergulhar nesse oceano sem praias e sem fundo da Metafísica, se levam muito longe as suas investigações.
 
Nada, pois,  nos resta, se não uma parcela mínima do Todo que desconhecemos, e é nela que o formigueiro humano se agita, organiza e desorganiza, para depois se reorganizar, até que um dia, no destino [2]  do planeta que habita, com ele se dispersa no Espaço … como poeira fecunda de outros seres, que lhe sucedem no Tempo …  Transições, transformações, vibrações na série infinita dos Números e das Formas. O formigueiro, entretanto, num instante da eternidade e num ponto  do infinito, conta os seus milênios, funda e derroca impérios, ama e odeia, perpetua-se pelo amor e reduz-se pelas guerras; e numa babel de tele e microscópios, de combinações de elementos, de cosmo e teogonias, arroja a sua alma como um projétil na poeira dos astros, em busca deste Incognoscível, perante o qual estaca na confusão das línguas, mas que ele, o formigueiro humano, continua a afirmar nos surtos da Fé, único postigo   aberto, na prisão da sua contingência, para lobrigar a infinita verdade. É também esta Fé o núcleo radioso de concentração harmônica, o ponto de equilíbrio e conservação, que impede o extermínio e o aniquilamento dos míseros seres cuja sede ingênita de verdade não se contenta com as explicações das suas ciências, filosofias e inventos, que fazem a sua alma dispersiva, insaciável e destruidora.
 
Crer  é também amar,  porque amar é afirmar uma verdade que tranquiliza o espírito, inspirando-lhe a felicidade. Foi na fraternidade pela crença comum que se formaram, no planeta humano, o que nós chamamos – as grandes nações. A fome e outros instintos são, pela lei natural, puros estímulos para o sacrifício dos fracos em benefício dos fortes. A economia não resolveu também o problema humano, porque os seus postulados resumem-se na nutrição da espécie segundo as forças de cada um. O direito faz, pela justiça, vencidos e vencedores, e na sua formalística faz do branco preto e do redondo quadrado, e só mantém a ordem enquanto a autoridade é mais forte que as massas. A consciência social da igualdade é praticamente possível, enquanto todos se conformam com as utilidades que lhes proporcionam bem-estar; mas falha ou apaga-se quando o instinto igualitário reclama o seu quinhão de existência.
 
Só o amor humano, gerado pela fé, inspiradora dos sacrifícios da abnegação, pode realizar a paz, a ordem, o equilíbrio. Só ele evita as rivalidades, compõe as lides, torna impossíveis os conflitos e as guerras,  nucleia os povos em cada nação, e as nações numa liga imperecível.[3]   Só ele é a doce autoridade  persuasiva da consciente obediência dos governados aos governantes.
 
Seja ele o signo benfazejo do novo ano, para pacificar os povos que ainda lutam, e corroborar a paz, ainda vacilante, dos que ontem venceram, ou foram vencidos na crueza da guerra. [4] 
 
E de olhos fitos no  cruzeiro constelar, que ilumina os destinos dos povos sul-americanos, continue a marchar a nossa Pátria para a  sua grandeza futura, apagados os seus ressentimentos na nobre luta [5] pelo bem comum.
 
NOTAS:
 
[1] Esta frase de Augusto de Lima expressa em poucas palavras um dos ensinamentos fundamentais da obra “A Doutrina Secreta”, de Helena Blavatsky. (CCA)
 
[2] “Destino”.  No original, “fadário”, palavra hoje em desuso. Teosoficamente, o “destino” é o futuro natural. É  o carma que foi plantado por acontecimentos passados e cuja colheita deve ocorrer no tempo certo. O destino é também a Lei da Justiça e do Equilíbrio, a lei da causa e efeito que orienta a vida e a evolução de tudo o que há, inclusive planetas e galáxias. (CCA)
 
[3]  “As nações numa liga”.  Alusão indireta à Liga das Nações, que antecedeu à ONU. (CCA)
 
[4]  Alusão à Primeira Guerra Mundial, que terminou em 1918. (CCA)
 
[5]  “Nobre luta”.  No original, “nobre porfia”. A palavra “porfia” hoje está em desuso. (CCA)
 
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Augusto de Lima (1859-1934) foi  poeta, escritor, juiz e político mineiro. 
 
O texto acima foi publicado pela primeira vez em 27 de dezembro de 1919 no jornal  “A Noite”, do Rio de Janeiro,  sob o título “Boas Festas”.   Omitimos aqui  o último parágrafo,  dedicado especificamente aos leitores de “A Noite”. O artigo é reproduzido da obra  “Noites de Sábado”, de Augusto de Lima,  Álvaro Pinto Editor, Rio de Janeiro, 1923, 414 pp., ver páginas 216-219.  Sua publicação online ocorreu pela primeira vez nas páginas do boletim eletrônico “O Teosofista”, edição de dezembro de 2007.   
 
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Para conhecer a teosofia original desde o ângulo da vivência direta, leia o livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.
 
Três_Caminhos_Auxiliar
 
Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.   
 
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