O Poder da Sabedoria é Gerado
Pela Observação Serena dos Contrastes
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
A contenção da energia cega da vida (na parte superior da imagem)
permite a produção da sabedoria tendo como base a literatura clássica
 
 
 
Há sérias dificuldades de compreensão mútua entre a sabedoria e a ignorância.
 
Em qualquer área de ensino e aprendizagem, a comunicação entre quem sabe e quem não sabe não é assunto simples, e pode transformar-se em um diálogo de surdos. [1]
 
Para evitar este tipo de armadilha, cabe observar em primeiro lugar a relação que temos com a nossa própria ignorância.
 
Há uma grande diferença entre ser tolo e ser ignorante.
 
Tolo não é aquele que não sabe. Tolo é aquele que, não sabendo, pensa que sabe; e com frequência pensa que “sabe tudo”.
 
O começo da sabedoria não está, portanto, em aprender isso ou aprender aquilo. É falso todo aprendizado que ocorre sobre bases falsas.
 
O começo da sabedoria consiste em saber que pouco ou nada sabemos. É esta constatação humilde, realista, sincera, que abre espaço para a verdadeira aprendizagem.
 
Segundo a teosofia de Helena Blavatsky, o fosso às vezes insondável entre o saber e o não-saber é vencido através da boa vontade e da comunhão.
 
A alma espiritual “sabe tudo” no sentido de estar em unidade com todas as coisas. A ignorância não existe nos níveis supremos da realidade. E neles tampouco existe o saber pensante. A comunhão espiritual entre as almas faz com que se perceba um fato básico: a dificuldade de comunicação só ocorre nos níveis superficiais da realidade.
 
Escrevendo sobre a relação entre sabedoria e ignorância, Vinoba Bhave afirmou:
 
“A luz não pode ver a escuridão, porque ilumina tudo aquilo que olha. Do mesmo modo, o homem bom só vê bondade a seu redor. Mas ele não vive no paraíso dos tolos, porque o seu trabalho ergue, semeia e reúne a bondade que ele deseja ver por toda parte.” [2]
 
Examinemos, então, os impasses presentes na relação entre o saber e o ignorar. [3]
 
A sombra não vê a luz, porque fica cega e ofuscada diante dela. Por outro lado, a luz vê a sombra. Neste ponto alguém pode perguntar:
 
“De que modo é possível este paradoxo? Se a luz afasta a sombra onde quer que esteja, a luz deve ser incapaz de ver ou perceber a ausência de si mesma.”
 
Ocorre, porém, que a luz não vê a sombra de fora para dentro. Isso seria, mesmo, impossível.
 
A luz suficientemente intensa vê a sombra de dentro para fora. A luz, quando intensa, passa a ser tanto interna como externa. Tanto oculta como manifesta. Atuando desde o interior das coisas e dos seres, a luz (búddhica) compreende a sombra e vê e enxerga nela, corretamente, a promessa de luz.
 
A vida é cíclica.
 
O destino da meia-noite é tornar-se o meio-dia. A madrugada mais escura contém em si a aurora e as outras horas também. Vive no inverno a semente mais secreta e mais verdadeira da primavera.
 
A sombra talvez não saiba amar a luz, mas a luz ama a sombra, porque reconhece nela a semente e o projeto da luz.
 
Toda sombra é apenas uma luz que ainda não aconteceu. A criança talvez não compreenda o adulto, mas o adulto compreende a criança, porque vê a criança como promessa de um ser maduro que florescerá um dia.
 
A ciência do magnetismo puro inclui o saber usar a força elétrica das oposições e dos contrastes. Parte desta ciência consiste em transcender e harmonizar a energia confusa das lutas, dos dilemas, dos impasses. Em teosofia, cabe desarmar os curtos-circuitos das relações entre as almas, e também desarmar, na mesma alma, os curtos-circuitos das relações entre vários níveis de consciência, mais elevados e menos elevados.
 
Da serena compreensão do paradoxo surge uma certa força elétrica e magnética.
 
Algo semelhante acontece no choque entre o vento e o catavento; entre a água de um rio e a barragem hidrelétrica; entre a pressão dos fatos externos e a consciência do teósofo que reúne e expande – tranquilo, imperturbado – a sua própria vontade interior.
 
Os obstáculos são os professores do aprendiz bem informado. As dificuldades têm a mesma função que a água e o vento. As ondas de fatos novos são tão úteis como a energia eólica. A força deles é transformada no poder da sabedoria. Este poder é invisível, mas pode ser percebido.
 
Ampliando a Qualidade de Vida
 
Ao saber que pouco ou nada sabe, o amigo da verdade abre espaço para aprender primeiro em sua alma, e só depois, num nível menos fundamental, em sua consciência pensante.
 
Fugir instintivamente dos contrastes não é sábio, porque faz aumentar a força cega e desorganizada deles.
 
Por outro lado, olhar diretamente para os paradoxos desde o ponto de vista de uma calma e desapegada compreensão permite ver a unidade potencial dos opostos; permite encontrar o ponto ótimo da cooperação entre eles, e produzir a cura para a dor ilusória da dissociação.
 
O sofrimento da separatividade é tristemente ilusório, porque tudo no universo pulsa sempre em comum união. A dor da incomunicação é ilusória, mas parece bastante real a quem a sofre.
 
Curar tal sofrimento é um processo que pertence ao que eu chamo de oftalmologia da alma. A tarefa é enxergar a vida como a vida é, e não como a vida pode parecer nos sonhos maus de uma criança assustada.
 
A ciência magnética da teosofia ensina a transmutar e usar a força do contraste entre os opostos. O primeiro passo é olhar com amizade sincera a energia do desencontro. Lançar um olhar amigo sobre o paradoxo entre o desejo e a situação desejada, o contraste entre o medo e o perigo, o desentendimento entre a esperança e a meta almejada.
 
A raiva, a angústia e outros sentimentos negativos são resultados deste contraste, assim como todas as situações de sofrimento. Através da compreensão da simetria da vida [4] o aprendiz decifra o enigma dos desencontros em seu mundo interior e no mundo que o rodeia. A contenção da energia cega da vida permite a produção da sabedoria, com ajuda da literatura clássica. 
 
O caminho da sabedoria consiste, portanto, entre outras coisas, em compreender e harmonizar a unidade dos contrários, tal como ocorre no casal que se ama e na família ou instituição em que reina a sinceridade.
 
Deste modo se estabelece uma cooperação estável entre os opostos, e esta produz não só mais vida, mas também mais qualidade de vida e um maior discernimento espiritual.
 
NOTAS:
 
[1] Clique para ver, por exemplo, o artigo “Será Possível Ensinar Honestidade?”.
 
[2] Do documento “Thoughts of Acharya Vinoba Bhave”, emitido pela “Research and Reference Division” do “Ministry of Information and Broadcasting” do governo da Índia em 13 de novembro de 1982, 4 pp. em papel ofício, ver p. 4. Palavras citadas no artigo “Vinoba e a Vontade de Construir”.
 
[3] Uma relação aparentemente esquizoide, ou seja, mutuamente dissociada, como entre dois “desconhecidos íntimos”.
 
[4] Examine o artigo “A Lei da Simetria”.
 
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O artigo acima foi publicado nos websites associados dia 23 de março de 2020.
 
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Para observar o poder do contraste entre concentração e dispersão, estude, entre outros, os textos “Jatru Trataka, o Exercício”, “Namu Amida Butsu”, e “Para Fortalecer a Vontade”.
 
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Leia os livros “O Poder da Sabedoria” e “Três Caminhos para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline. Para ver outros escritos deste autor, clique aqui.
 
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