A Dimensão Filosófica da Vida De Um Inseto
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
A Borboleta, Símbolo da Alma(1)
 
A vida da borboleta ilustra o ciclo da reencarnação humana
 
 
 
A vida só pode ser compreendida quando a vemos como um processo que inclui morte e renascimento, vigília e sonho.
 
O corpo humano abriga uma alma que também é mortal, embora seja sutil e só morra algum tempo depois do corpo. Mas a alma contém em si um Espírito que não morre e que “renascerá” uma e outra vez. Ao contrário do corpo físico, a alma-espírito pode voar como se tivesse asas.
 
Chuang, um antigo sábio chinês, confessou:
 
“Certa vez, eu, Chuang Chou, sonhei que era uma borboleta, a voar para lá e para cá; borboleta para todos os fins e em todos os sentidos. Tinha consciência apenas de minha felicidade como borboleta, sem saber que era Chou. Logo despertei, e ali me achava, de novo e verdadeiramente eu mesmo.  Agora, não sei se eu era antes um homem a sonhar que era uma borboleta, ou se sou agora uma borboleta a sonhar que sou homem.” [1]
 
No Oriente e no Ocidente, a borboleta é um antigo símbolo da alma humana. Alguns indivíduos ficam em dúvida: eles não sabem se são seres físicos que, enquanto dormem, fluem como almas, ou se são almas, capazes de voar, que, durante o estado de vigília, têm a ilusão de pensar que são seres físicos.
 
A imagem do espírito-alma como borboleta não é uma exclusividade da China. Na Grécia antiga, Psiquê, a alma, era descrita como uma borboleta que escapava do corpo com a morte.[2] 
 
A filosofia esotérica ensina que a alma mortal (Kama-Manas) contém em si o Espírito imortal (Atma-Buddhi), que seguirá a jornada mesmo quando ela morrer, e que, muito mais tarde, viverá uma nova encarnação. A vida da borboleta, em suas várias etapas, reflete o processo do corpo-alma-espírito.
 
O autor Henry Thomas escreveu:
 
“A reencarnação ocorre com mais clareza no caso das lagartas. E que gloriosa reencarnação! As lagartas parecem morrer, e depois subitamente renascem como belas mariposas e borboletas. O que realmente ocorre é o seguinte. A lagarta, desde que nasce, só faz uma coisa, e a faz bem. Come. E como come! Uma lagarta come muitas vezes mais que o seu próprio peso durante um dia. Come tanto que sua pele não suporta mais. Nós, humanos, nunca somos perturbados por este tipo de dificuldade, porque nossa pele se expande à medida que nosso corpo cresce. A pele da lagarta, porém, permanece inelástica, enquanto o corpo engorda. Por isso, deve-se dizer literalmente que a lagarta come até rebentar, isto é, ela rompe a pele e sai fora dela. Enquanto isso, uma pele nova e mais larga cresceu por baixo da velha. Em breve, porém, a mesma dificuldade ocorre de novo, e outra mudança se opera, até que a lagarta tenha mudado de pele cerca de cinco vezes. Neste ponto a lagarta encolhe-se, enruga-se e parece estar pronta para morrer. E então ocorre o milagre. A pele racha pela última vez, mas por baixo dessa pele não encontramos mais outra pele de lagarta, e sim uma criatura de aspecto estranho, que não tem boca, nem pés, nem olhos. Essa existência cataléptica, em estado de crisálida, pode durar somente dez dias, ou pode durar do outono de um ano até o verão seguinte.”
 
Este é o período que simboliza o repouso entre uma vida e outra, entre uma dimensão e outra.
 
Henry Thomas prossegue:
 
“Quando a época de renascer chega afinal, o estupendo processo se realiza quase que subitamente. A pele da crisálida rasga-se e uma criatura, úmida e frágil, esforça-se por obter ar livre, procurando um lugar ao sol, onde possa ficar pendurada pelos pés. Agita e desdobra suas asas enlameadas e injeta-lhes sangue. Depois de uma hora ou mais, as asas gradualmente secam e tornam-se menos enrugadas. E então, quase num abrir de olhos, o inseto já está completamente limpo e você poderá ver diante de si uma esplêndida borboleta. Poderá ter asas azuis do tom mais puro, ou flamantes asas vermelhas, ou combinações inumeráveis de cores, tintas e matizes. A lagarta rastejante e feia renasceu, na forma de uma das mais belas criaturas de Deus: a alada flor dos ares.” [3]
 
A teosofia explica que Deus monoteísta é uma invenção humana que só existe nas igrejas e na imaginação do público leigo. O que há de fato é uma imensa pluralidade de inteligências divinas, e uma Lei Universal Impessoal e eterna, a lei do Equilíbrio e da Justiça.
 
De que modo a borboleta é um símbolo da reencarnação humana?
 
A sucessiva troca de peles da lagarta corresponde à troca da infância pela condição de adulto jovem, pela meia idade, pela velhice, e pela velhice extrema.
 
A ponte ou escada que liga a alma imortal à alma mortal, e que une os estados de sonho, sono e vigília, é chamada em teosofia de Antahkarana.
 
Graças a ela, podemos desenvolver gradualmente uma consciência da continuidade de todos os estados mentais ao longo das 24 horas do dia, e ao longo de várias vidas.
 
Esta ponte entre mundos também é chamada de “Escada de Jacó”, na imagem simbólica de Gênesis, 28: 10-13. Ela possibilita compreender o processo do renascimento, porque um dia de 24 horas inclui uma pequena reencarnação: a cada manhã, voltamos renovados.
  
NOTAS:
 
[1] Chuang-tzu, citado por Lin Yutang em sua obra “A Importância de Compreender”, Círculo do Livro S.A., SP, 458 pp., ver p. 95.
 
[2] “Dicionário de Mitologia Grega”, Ruth Guimarães, Cultrix, 318 pp., item “Psiquê”,  p. 267.
 
[3] “As Maravilhas do Conhecimento Humano”, Henry Thomas, vol. II, Edição da Livraria do Globo, Porto Alegre, 1941, 400 pp., ver pp. 312-313.
 
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Uma versão inicial do artigo acima foi publicada na edição de Agosto de 2008 de O Teosofista”, sem indicação de nome de autor.
 
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
 
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Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
 
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