A Força de uma Gota de Água Cristalina
 
 
Augusto de Lima
 
 
 
 
 
Olha esta gota de água cristalina:
é tão leve, tão tênue e pequenina,
que a sede vegetal mais estimula,
e nem ao menos molha
do lírio o hastil, o cálice ou a folha,
em que, líquida pérola, tremula;
dir-se-ia um pingo de sidérea mágoa.
 
Tu, que já penetraste os oceanos
e devassas recônditos arcanos,  
não a desprezes, olha-a:
que vês na gota cristalina de água?
 
Nela se espelham fulgidos, celestes
prismas, que a luz exterior difunde,
como em puro diamante lapidado.
 
Mas se o olhar limitado
de uma lente revestes,
porque a vista sagaz mais se aprofunde,
verás, então, do turbilhão da Vida,
surgirem novos seres, e estes seres
aumentando-se em linha indefinida,
de modo a não poderes
contar sequer seu número. Detém-te
e observa a formação vária, infinita
dos corpos, cujo frêmito latente
um mesmo protoplasma anima e agita.
 
Mas não! O olhar perturba-se em vertigens
de febril paroxismo.
Nem procures saber-lhes as origens,
a esses entes anônimos, que viste.
Para o perscrutador olhar humano,
como no grande, existe
no infinito minúsculo – um abismo.
 
Homem, na gota de água há um oceano!
 
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O poema acima é reproduzido do volume “Poesias”, de Augusto de Lima, Editora H. Garnier, Rio de Janeiro / Paris, 1909, 300 pp., ver pp. 116-117. A ortografia foi atualizada.
 
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