Pomba Mundo
 
Um Capítulo da Obra “O Poder da Sabedoria”
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
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Reproduzimos a seguir o capítulo
dez de “O Poder da Sabedoria”, de
Carlos C. Aveline, Ed. Teosófica,
Brasília, 189 pp., terceira edição, 2001.
 
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“Tanto o desejo como a vontade são absolutamente
criadores, formando o próprio homem e o meio ambiente
em que ele deve viver. Mas a vontade cria inteligentemente,
enquanto o desejo cria cega e inconscientemente. O homem,
portanto, constrói a si mesmo à imagem dos seus desejos –  a
menos que  se construa segundo a imagem do Divino,
através da sua vontade, que é filha da luz.”
 
Helena Blavatsky
 
 
 
É a vontade espiritual universal que mantém em movimento as galáxias e alimenta a evolução de tudo o que existe. Esta vontade desperta em nós quando estamos livres de desejos pessoais e de curto prazo. Mas parece haver pouco espaço para ela na vida diária do cidadão moderno, tumultuada pelo jogo das aparências e por obstáculos que ele cria com sua própria imaginação.
 
Usar nossa vontade é como voar. Quando você voa baixo precisa enfrentar turbulências, é ameaçado por obstáculos e se arrisca a cair. Quando voa no alto, o ar é menos denso. Não há turbulência. Você gasta menos energia, tem uma visão mais ampla do mundo e não corre o risco de bater em obstáculos ou desabar no chão. Erguendo o nível do nosso voo, podemos definir objetivos duráveis e valiosos. Entre as recomendações dadas pelo místico cristão São João da Cruz para o pássaro solitário – símbolo da vontade da alma – estão as de que ele voe ao ponto mais alto e não anseie por companhia, mas mantenha seu bico voltado para os céus.
 
Como manter o bico da nossa vontade voltado para o céu? Primeiro, não pode haver força de vontade sem paz interior. É preciso acalmar os desejos contraditórios – que tendem a anular-se uns aos outros – para que depois surja a vontade ativa que traz a serenidade e faz os supostos obstáculos desaparecerem às vezes inesperadamente. Segundo, não basta ter vontade. Se o nosso objetivo não for formulado corretamente, ou se for nocivo, é melhor mesmo não ter vontade forte. Quando voamos baixo, é preferível que tenhamos pouca força, porque o desastre da queda será menor. “Escolhe bem teus desejos, porque há o perigo de eles serem atendidos”, disse um sábio. A natureza nos protege contra nossa própria ignorância, permitindo o surgimento de uma vontade forte somente quando ela já é, também, elevada. Deste modo, vontade forte nada tem a ver com ideia-fixa, teimosia ou obstinação cega – três formas perigosas de voar baixo mentalmente.
 
Para voar alto, é preciso estar livre do passado e levar pouca bagagem pessoal. A multa por excesso de peso das expectativas e ansiedades é terrível. Quase todas as dificuldades que enfrentamos em nossa viagem pela vida ocorrem devido a apegos ao passado e ansiedades em relação ao futuro.
 
O desenvolvimento da vontade nos beneficia de vários modos: primeiro, livra-nos das coisas que não interessam; em segundo lugar, eleva-nos até o nível em que há poucos obstáculos ou turbulências; e, finalmente, permite-nos enfrentar melhor os obstáculos que forem realmente inevitáveis em nossa vida.
 
“Nunca é o obstáculo em si que nos atrapalha, mas o nosso desejo de que ele não estivesse lá”, escrevi, há tempos, em um caderno de anotações. A percepção exagerada de obstáculos é produto da nossa ignorância. O bom estrategista não vê obstáculos, apenas estuda as condições do terreno. O sábio que conhece as circunstâncias pode mover-se nelas sem irritar-se ou ficar contrariado. Não há barreiras contra a ação de quem sabe o que quer e, além disso, formulou corretamente a sua meta. Guiado por uma vontade impessoal, o sábio avança, recua ou espera, sem perder a paz por um segundo. Ele olha para o céu e fica satisfeito com quaisquer condições meteorológicas. Pode fluir, como o vento; lavar, como a chuva; dominar, como o relâmpago, ou aguardar, imperturbável como uma rocha.
 
Na maior parte dos casos em que temos pressa ou nos sentimos frustrados, estamos exagerando a importância do mundo externo. No mundo interior não há pressa. Lutar contra o ritmo da vida é inútil, e cada vez que uma situação nos decepciona temos a oportunidade de aprender mais uma lição de desapego, aprendendo a enxergar a realidade dos fatos. Isto inclui a habilidade de não deixar espaço algum para a autolamentação ou a pena de si mesmo. O mapa das dificuldades ao nosso redor é também o mapa do caminho que leva até o território da paz, do êxito e da felicidade. Todos querem chegar lá, mas nem todos têm a vontade necessária para trilhar o caminho. Normalmente, a força de vontade está esparramada e dividida entre muitos objetivos pequenos e sem importância. Renunciar à dispersão permite reunir nossas energias em torno de um só objetivo fundamental e aumenta radicalmente as nossas chances de vitória. Especialmente se, além disso, soubermos esperar.
 
A esta altura, duas perguntas se impõem. Em primeiro lugar, estamos dispostos a eliminar a dispersão? A resposta em termos gerais é afirmativa. A própria experiência da vida nos leva a substituir gradualmente objetivos mais ilusórios por objetivos menos ilusórios. A busca consciente de uma vida sábia apenas acelera e facilita este processo natural que nos leva do falso para o verdadeiro.
 
Em segundo lugar, como garantir que o objetivo não é ilusório? Para responder esta questão é preciso mais tempo. Este ponto é fundamental porque, se o objetivo for ilusório, grande parte dos esforços serão mal aplicados, embora não haja esforço totalmente perdido na vida: sempre se aproveita alguma coisa da experiência. Para garantir que a sua meta não é ilusória você deve chegar cabalmente à conclusão de que aquilo que pretende fazer é bom, ao mesmo tempo, para você e para os outros; não a curto, mas a longo prazo. A sua meta deve ser capaz de despertar-lhe orgulho e satisfação quando, com 90 ou 100 anos de idade, você fizer o balanço final da sua vida física antes de voar como um pássaro para níveis superiores de existência.
 
A definição da meta da nossa vida faz com que surja uma vontade correspondente. Metas egoístas tendem a criar vontades egoístas. Objetivos altruístas inspiram vontades mais puras, que produzem resultados positivos e duradouros.
 
Há uma passagem de um texto budista que recorda certas verdades básicas, das quais alguns preferem fugir, consciente ou inconscientemente. Estaríamos em grande parte livres da autoilusão se definíssemos metas claras para a nossa vida levando em conta os seguintes fatos:
 
“Primeiro, a velhice virá algum dia e não poderei evitá-lo. Segundo, é possível que eu adoeça e não posso evitar esta possibilidade. Terceiro, a morte física virá até mim algum dia e eu não posso evitá-lo. Quarto, todas as coisas que amo e de que gosto estão sujeitas à mudança, à decadência e à separação, e não posso evitá-lo. Quinto, eu sou o resultado das minhas próprias ações, e sejam quais forem os meus atos, bons ou maus, serei o herdeiro deles.” [1]
 
Quando aceitamos estes cinco fatos surge um contentamento incondicional de viver que tem como base indestrutível o desapego. Percebemos a eternidade potencial de cada momento. Abandonamos as bagagens pessoais e nossa mente se ergue solta acima do jogo miúdo e da luta de pequenas vontades contraditórias. Aceitando a fragilidade da nossa existência no plano físico, podemos usar toda a força da nossa vontade interior.
 
Nos primeiros anos da nossa vida, desperdiçamos grande quantidade de energia, mas aos poucos vamos selecionando as metas que realmente interessam. Sabemos que não podemos fazer tudo ao mesmo tempo. Aceitamos que nosso tempo e nossa energia são limitados, e aprendemos a usá-los com sabedoria.
 
Quando desenvolvemos o poder da vontade, começamos a reorganizar cada aspecto da nossa vida em função da nossa estratégia central. Que tipo de alimentação é saudável, melhora minha saúde e aumenta as possibilidades de uma vida longa e produtiva? Mas não basta saber o que comer. É preciso comer moderadamente.
 
Há também um certo tipo de emoções que aumenta a força interna, e outras que levam à dispersão das energias. Pela observação, podemos ir identificando e afastando aos poucos da nossa vida as situações em que nossa paz interna é destruída. As emoções são inseparáveis do pensamento e, quando estas duas correntes energéticas são unificadas por uma vontade maior, a paz, a coerência e o êxito vêm para ficar em nossas vidas.
 
Definir um objetivo e um plano de ação coerentes em todos os níveis não é complicado. Sem dúvida, é bem mais simples do que viver dividido entre pequenas metas inconsistentes de curto prazo. “Todos nós temos objetivos, mesmo que não saibamos disso”, escreve Anthony Robbins.[2] Sejam quais forem, eles têm um efeito profundo sobre nossas vidas. Alguns destes objetivos são pouco inspirados. Precisamos garantir a nossa sobrevivência material, por exemplo. Quem pode ficar entusiasmado com uma perspectiva de vida tão limitada como a de pagar as contas no fim do mês? Para Robbins, “o segredo que permite libertar seu verdadeiro poder é estabelecer objetivos suficientemente empolgantes para inspirar sua criatividade e acender sua paixão”. É preciso formular desafios. Assim como uma meta altruísta liberta o nosso pensamento do egoísmo, uma meta que seja simultaneamente elevada, desafiadora e realista faz surgir uma vontade poderosa e capaz de vitórias duráveis.
 
Esta meta geral, no entanto, deve traduzir-se em pequenos passos cotidianos. Ninguém consegue vencer um grande desafio se não houver antes um processo preparatório. Uma viagem de mil quilômetros começa com o primeiro metro, e é preciso criatividade e determinação para colocar cada pequeno momento das nossas vidas em função da grande meta da sabedoria. Renunciando a pequenos confortos e a várias formas de dispersão mental ou emocional aparentemente inocentes, vamos reunindo mais força magnética em torno do polo consciente do nosso ser. Vivendo cada momento como um desafio, podemos usar nele toda nossa força interior disponível. Como a força espiritual não está no plano físico, o seu uso não provoca cansaço e é potencialmente inesgotável.
 
À medida que passa o tempo, vamos percebendo que a principal tarefa da vontade espiritual – e a mais difícil – consiste em libertar-nos de objetivos ilusórios. Quando estamos livres de ilusões, a verdade pode aparecer naturalmente diante dos nossos olhos, e nossa vontade avança por si mesma em direção ao que é bom e correto.
 
Para desenvolver a vontade espiritual é preciso usá-la constantemente e renunciar ao desejo de viver em circunstâncias cômodas e agradáveis. E quando os primeiros frutos do uso correto da força de vontade já puderem ser colhidos, o que deveremos fazer é aumentar ainda mais o esforço, para que a colheita, no futuro, seja maior.
 
NOTAS:
 
[1] “The Mind and Its Control”, Swami Budhananda, Advaita Ashrama, Calcutá, Índia, 1992, pp. 33-34.
 
[2] “Passos de Gigante”, Anthony Robbins, Record, 1995.
 
Ação Prática:
 
1. Reunindo Força Magnética
 
De pé ou sentado, coluna ereta, erga o braço esquerdo estendido lateralmente, ao longo do corpo, até a altura do ombro. Vire a cabeça o suficiente para poder olhar a ponta dos dedos estendidos. Fique assim um minuto exato, imóvel, sem desviar o olhar nem por um momento. Tente não piscar os olhos. Depois complete o exercício fazendo o mesmo com o braço direito. Faça o exercício completo mais duas vezes, sentindo o acréscimo da sua força interna. O efeito desta prática será percebido com mais força depois do décimo dia consecutivo.
 
2. Parando Tudo
 
Em qualquer momento do dia, seja qual for a posição física em que estiver, imobilize-se no momento em que lembrar da prática. Fique como se fizesse parte de uma imagem congelada de televisão, relaxado, alerta, durante alguns instantes. Você estocará a força magnética que o seu corpo está acostumado a desperdiçar e aumentará seu comando sobre suas emoções e pensamentos.
 
3. Usando o Poder do Pensamento
 
Escolha um pensamento elevado e importante para você. Cada vez que sua mente apresentar a tendência a ficar dispersiva durante o dia, enquanto tem que esperar ao telefone, numa fila ou em um sinal vermelho do trânsito, repita para si mesmo a frase e concentre nela seu pensamento. Sua mente não cansará com este exercício. A dispersão é mais cansativa que a concentração. A concentração é que permite o repouso interior. Substitua uma frase por outra a cada dois ou três dias.
 
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A citação de abertura do capítulo dez de “O Poder da Sabedoria”, com palavras de Helena P. Blavatsky, foi traduzida dos “Collected Writings” de H.P.B., T.P.H., Índia, volume VIII, p. 109.
 
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