Pomba Mundo
 
Cada Um é Livre Para Decidir
Como e Quando Pode Fazer o Bem
 
 
Diogo Antônio Feijó
 
 
O Dever de Agir com Altruísmo
 
Diogo Antônio Feijó (1784 -1843)
 
 
 
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Nota Editorial:
 
Diogo Antônio Feijó foi filósofo,
estadista e sacerdote. Governou o Império do
Brasil entre 1835 e 1837. Buscador da verdade
e defensor da ética, entrou em confronto direto
com o Vaticano, o que tornou sua vida política e
sua vida física mais difíceis – e mais breves. Mas
ele perseverou e deu um exemplo de honestidade.  
 
O texto a seguir é reproduzido da obra “Cadernos de
Filosofia”, de Diogo Antônio Feijó, Introdução e Notas
de Miguel Reale, Ed. Grijalbo, SP, 1967, 172 pp., ver
pp. 154-156. Acrescento notas editoriais quando necessário.  
 
(Carlos Cardoso Aveline)
 
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Os deveres de beneficência não podem ser outros que os que temos para conosco, a saber: amar e estimar os outros como a nós e, em consequência, socorrer, ajudar, cooperar para que sejam virtuosos e felizes.
 
Tudo quanto pode injustamente contristar ou molestar os outros, é contra o amor que lhes devemos. Será injustamente quando a necessidade ou utilidade não puser em colisão os direitos do inocente com os daquele a quem se pretende molestar ou contristar [1], ou se não o fizermos em benefício do mesmo a quem parece ofendermos.
 
O benefício é a ação feita no desígnio de fazer bem a outro, sem pretender por isso retribuição. Esta é a ideia que formamos do benefício: é necessário que seja efeito de amor, por isso pronto e acompanhado de afabilidade para nos obrigar.
 
Toda omissão, seja ao não embaraçar o mal ou ao não socorrer [2], como e quando a caridade obriga, é uma violação da ordem que ligou o gênero humano por propensões que deu a cada indivíduo.
 
Sendo o homem destinado para a sociedade, quando deverá ele fazer sacrifício e por quem?
 
Sacrificar-se por um só, por outro homem, é um sacrifício que atrai a admiração; mas sacrificar-se por muitos é o destino do homem criado para conservar sua espécie; porém, quais serão estes sentimentos que merecem o sacrifício de um só? É o gênero humano, é a sociedade civil, é, enfim, o pequeno círculo onde se achar um chefe e súditos, e então cada indivíduo é obrigado a concorrer para a salvação do todo, porque este é o fim de semelhantes associações.
 
Muitas vezes o homem será obrigado a sacrificar-se por outro homem, quando seus talentos, seu emprego ou alguma outra circunstância façam sua pessoa importante e considerável ao bem da sociedade.
 
Todas as vezes, pois, que o sacrifício da vida de um homem é necessário para a salvação de muitos, que concorrem para o bem ser da sociedade, é uma obrigação o sacrifício; porém dos bens, do conforto [3], etc., [o sacrifício] deve ser feito em benefício de qualquer contanto que seja maior o mal que se pretende evitar, não resultando de semelhante benefício prejuízo igual a terceiro inocente.
 
Do que temos dito se conclui que o direito de segurança, defesa e reparo deve ser julgado pela beneficência que manda sofrermos pelos outros; e pelo direito que tem a sociedade sobre todos. Pelo qual direito eu não posso privá-lo de um indivíduo que lhe pode servir para conservar seus bens ou outra qualquer coisa de que a mesma sociedade se dispensa [4] com menos incômodo, excetuando o caso em que o ofensor, se julga, se tornará cada vez mais ousado pelo sofrimento de um inocente.
 
Tendo todo homem direito à beneficência de outro, não o tem, contudo, de forçá-lo [5] a que lhe faça bem.
 
Cada um é livre para reconhecer suas circunstâncias e só ele sabe, completamente, como e quando pode fazer o bem. [6]
 
Contudo, quando os casos são extremos, em que não se pode esperar pela decisão ou beneficência alheia, sendo evidente e irremediável o mal, cada homem tem o direito de se utilizar dos bens da sociedade que são os bens das partes.
 
Por bem da ordem deve sofrer-se o mal; mas a mesma ordem não quer que o homem pereça pela desumanidade de seu semelhante.
 
Todas as vezes, porém, que tácita ou expressamente alguém se obriga a fazer o bem por este contrato, pode ser forçado [7] a fazer o bem que convencionou.
 
Se não podemos nos servir dos bens alheios além dos casos extremos e irreparáveis, sem dúvida nos grandes males, cujo remédio não admite demora, podemos, ainda contra a vontade do dono, nos utilizar momentaneamente do que for necessário para prevenir os referidos males, sendo estes maiores do que aqueles que vai experimentar o dono, e indenizando o mais pronto possível e satisfazendo a todos os prejuízos resultados desta ação.
 
Este ato é recomendado pela humanidade; nem ataca a propriedade, por ser momentâneo somente o uso dela; e a resistência da parte do proprietário é injusta a todos os respeitos e, por isso, inatendível, para deixar de ser forçada. [8]
 
NOTAS:
 
[1] Isto é, se nossa ação não estiver defendendo o que é correto e inocente.
 
[2] Atualizamos ligeiramente a construção da frase para que seja compreensível.  No original temos: “seja em embaraçar o mal ou em não socorrer…”.
 
[3] No original, “do cômodo”.
 
[4] Se dispensa: obtém.
 
[5] No original, “violentá-lo”.
 
[6] Este é um axioma central em filosofia esotérica ou teosofia. Cada ser humano deve seguir a voz da sua consciência íntima, sendo, portanto, autorresponsável e não um seguidor cego de autoridade externa.
 
[7] No original, “violentado”. A frase significa que, sempre que se tem ou se assume perante a lei o compromisso de fazer o bem, o compromisso deve ser cumprido.
 
[8] No original, “violentada”.
 
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Uma transcrição deste mesmo texto foi publicada com outras notas editoriais em “O Teosofista”, edição de março de 2014.
 
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
 
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Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
 
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