Há Motivos Fortes Para Ter Confiança no Futuro
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
Libertando a Teosofia de Ilusões
 
Visão parcial da capa de “The Fire and Light”
 
 
 
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O artigo a seguir corresponde ao capítulo
cinco da obra “The Fire and Light of Theosophical
Literature”, de Carlos Cardoso Aveline (The Aquarian 
Theosophist, Portugal, 2013). O texto foi publicado pela
primeira vez  na revista teosófica  Fohat, do Canadá, na
edição de “Spring 2008” (primavera de 2008 no hemisfério
norte). O título original é Liberating Theosophy From Jesuitism.
 
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“Mas todos os esforços,  mesmo  feitos com
a maior astúcia, estão condenados ao fracasso, a
partir do momento em que forem  desmascarados.”
 
Helena P. Blavatsky
 
 
 
Pode-se ver três principais períodos na história do movimento teosófico moderno, e a terceira etapa  ainda aguarda para despertar e entrar plenamente em ação.  
 
O primeiro período ocorreu entre 1875, quando o movimento foi fundado, e 1897. Nesta etapa, as sementes de uma futura fraternidade universal foram plantadas no solo maduro de uma civilização enfraquecida. O momento inicial foi abençoado com a assistência direta dada por um número expressivo de grandes sábios de várias regiões do mundo. Alguns deles viviam em montanhas e cavernas dos Himalaias, e outros eram ligados às tradições grega e egípcia, ou às escolas de sabedoria esotérica dos povos nativos da América do Sul, América Central e América do Norte. 
 
O segundo período é probatório. Ele provocou a morte aparente das sementes plantadas, para que  acontecesse o processo invisível, silencioso, da germinação. Ele corresponde, ou correspondeu, ao período difícil em que as ervas daninhas da pseudoteosofia e do ritualismo jesuítico dominaram a maior parte do solo teosófico. Ainda não está terminado.
 
A terceira fase corresponde ao crescimento saudável das pequenas mudas de árvores da fraternidade universal, em contato direto com a luz do sol, coisa que só poderá ocorrer plenamente depois da destruição das estruturas sacerdotais e autoritárias no solo teosófico.   Na parte inicial do século 21, o movimento parece estar em algum lugar na transição entre a fase dois e a  fase três
 
Uma compreensão razoavelmente profunda da filosofia teosófica mostrará a  qualquer estudante que, por vários motivos,  é correto confiar no êxito da transição para a terceira fase.  Os Adeptos têm uma visão de longo prazo da vida, e podem dar tempo às pequenas mudas de árvores para que se desenvolvam em seu próprio ritmo.  O esforço teosófico é de longo prazo e foi inaugurado sob a supervisão direta de um ser “diante de cuja visão o futuro é como uma página aberta”. Não há razão para duvidar de que o terceiro período da evolução do movimento teosófico já estava presente desde o início, como um fato implícito,  nas  fases anteriores da sua história.
 
Durante o primeiro período do esforço teosófico, Helena P. Blavatsky e outros pioneiros confrontaram e denunciaram  diretamente alguns dos principais mecanismos de ignorância coletiva organizada. Como se sabe, a cada ação corresponde toda uma série de reações.  Era muito lógico e natural que, no segundo período da história,  a Lei do Carma operasse normalmente.  A vitalidade interior do movimento tinha que entrar, então,  em uma fase de maré baixa. Como resultado, teve início a inevitável provação, e as estruturas da ignorância coletiva que haviam sido desafiadas conseguiram “invadir e controlar” a maior parte do movimento, fazendo com que surgisse dentro dele grande quantidade de falsos iniciados, rituais jesuíticos, ambições pessoais e crença cega. 
 
Depois da tese e da antítese, deve surgir finalmente uma síntese.  Como consequência dos dois passos iniciais, as mudas autônomas de árvores devem emergir como uma nova maré crescente que avança para vencer a batalha no tempo e no ritmo corretos. Não é difícil perceber que o portal de entrada para a terceira fase da história inclui um trabalho ativo pelo bem da humanidade; um estudo profundo da verdadeira teosofia;  e um fraterno confronto com o jesuitismo pseudoteosófico, o que produzirá a  derrota dos mecanismos de ilusão. No entanto,  antes de investigarmos qual é a melhor maneira de libertar o movimento das velhas  cascas sem vida das estruturas jesuíticas,  será interessante começar examinando o que queremos dizer, exatamente,  com a palavra “jesuitismo”.
 
O projeto global e clássico dos jesuítas foi descrito por H.P. Blavatsky em uma carta de janeiro de 1887,  assinalada com as palavras “reservado e confidencial”.  Endereçada a Alfred Sinnett, a carta diz:
 
“Seria aceitável, talvez, se os Jesuítas se contentassem com fazer os maçons de bobos e lutar contra os teosofistas usando o clero protestante como seu instrumento. Mas os seus complôs têm um objetivo muito mais amplo, e incluem um grau de  minúcia, detalhe e cuidado do qual o mundo em geral não tem a menor ideia. Eles fazem de tudo para colocar a massa da humanidade novamente naquele estado de ignorância passiva que eles sabem que é a única situação favorável para que possam realizar o seu propósito de Despotismo Mundial.” [1] 
 
A Companhia ou Sociedade de Jesus foi fundada em torno do ano de 1541 como uma parte da Contrarreforma. Foi uma reação  autoritária do Vaticano contra o desafio representado pelo nascimento do protestantismo,  com Lutero, vinte anos antes.  O jesuitismo foi criado como uma sociedade secreta com vários graus – e também como um serviço secreto.   A Companhia dava a si mesma licença para matar e para  mentir como quisesse, atuando para fortalecer a política centralizadora do poder eclesiástico dos papas.
 
Desde meados do século 16,  onde quer que isso foi possível, os jesuítas infiltraram movimentos e influenciaram nações dominando e controlando os seus principais líderes. Os historiadores nos informam que na segunda metade do século 16 eles  já conspiravam para derrubar a rainha Elizabeth I, na Inglaterra, e para enganar ou controlar o rei luterano João, da Suécia, enquanto promoviam ações similares em outros países. A meta era boicotar e enfraquecer tanto os governos nacionais como o protestantismo, e substituí-los pela milícia negra do papa, isto é, eles mesmos, em sua busca de um império ditatorial e teocrático mundial. 
 
Depois de um par de séculos, no entanto, os assassinatos e conspirações que promoviam ficaram tão fora de controle que na segunda metade do século 18 a sua Ordem teve que ser fechada. Portugal proibiu as suas atividades em 1759, depois que os jesuítas promoveram o assassinato do rei português. A França os expulsou em 1764, a Espanha em 1767, e o Vaticano fechou oficialmente a Sociedade de Jesus em 1773.  Os jesuítas continuaram a existir secretamente e fora da lei, no entanto. Em 1814, eles  conseguiram voltar à existência formal, com a restauração ostensiva da sua Ordem pelo papa.  Naquele momento, o Vaticano estava novamente  necessitando com urgência dos serviços da milícia negra e dos seus métodos brutais de ação.
 
Foi apenas após a segunda guerra mundial que o Opus Dei, uma sociedade secreta construída ao estilo jesuíta e fundada por fascistas espanhóis durante a primeira metade do século vinte, parece haver assumido em grande parte o papel secreto desempenhado tradicionalmente pela milícia negra dos jesuítas.  Protegido pelos papas recentes, o Opus Dei possui hoje cerca de 80 mil seguidores em todo o mundo e está bastante infiltrado em altas esferas do mundo político, do mundo financeiro e do mundo sacerdotal.
 
No século 19,  a Inglaterra protestante era cenário de grandes conspirações jesuíticas. Em uma carta de março de 1886, Helena Blavatsky advertiu Alfred Sinnett de que o primeiro-ministro, William E. Gladstone, havia-se convertido secretamente ao catolicismo romano.[2]  
 
Em outra carta a Sinnett, datada de 1887, H.P.B. acrescentou que o sr. Gladstone estava trabalhando ativamente, em assuntos políticos, com os jesuítas. Ele havia sido recebido “privadamente” pelo próprio papa.  Não por casualidade, H.P.B. previu, então, o final do Império Britânico tal como ele existia naquele momento:
 
“A Velha Inglaterra está morrendo e os seus dias estão contados.”  E ela explicou, algumas linhas mais  adiante:  
 
“Em épocas anteriores, pelo menos, nenhum país resistiu  melhor e mais vitoriosamente do que a Inglaterra contra os abusos e os planos traiçoeiros do papado. Consequentemente, não existe um país que os jesuítas ambicionem desmembrar e destruir mais do que a Inglaterra. (…)  Eles abertamente definiram como seu objetivo, de qualquer modo,  paralisar a máquina política da Inglaterra cooptando os seus principais líderes”. [3]
 
Neste ponto, devemos transferir o nosso foco de investigação. Vamos deixar de lado o macrocosmo da ação jesuítica e voltar ao microcosmo do movimento teosófico, para perguntar calmamente a nós mesmos:
 
“Será que o princípio geral de ação do Vaticano e dos jesuítas – infiltrar-se em todos os setores influentes da sociedade através dos seus principais líderes – é válido também para o movimento teosófico?  Em tal caso, será que os jesuítas gostariam de ver os principais líderes de qualquer sociedade teosófica atuando sob a inspiração dos seus próprios métodos e enganando piedosamente  o público em nome dos Mestres de Sabedoria?”
 
A resposta para as duas perguntas só pode ser afirmativa.  Dificilmente algum outro movimento desafiou de modo tão claro  os planos e as intenções do papado e do jesuitismo. Isso tornou a Sociedade Teosófica  um alvo altamente conveniente. H.P.B. reconheceu, de modo inequívoco:   
 
“Nunca houve uma Sociedade Oculta, por mais aberta e sincera que fosse, que não tenha sentido a mão dos jesuítas tentando derrubá-la por todos os meios secretos… ” [4]
 
Ela tinha razões para dizer isso.  Os acontecimentos que levaram à segunda fase do movimento –  a fase da pseudoteosofia e do jesuitismo – começaram na verdade logo no início do último período de sete anos da vida de H.P.B. (1884-1891).  Na metade da década de 1880, a conspiração dos Coulomb e os ataques vindos de Vsevolod Soloviov [5] foram apenas as primeiras tentativas no sentido de infiltrar o movimento. Do ponto de vista jesuítico, aqueles ataques não eram válidos apenas em si mesmos.  Eles também preparavam outras ações, mais sutis, no futuro.
 
Ainda durante a década de 1880, a incapacidade do presidente internacional Henry Olcott de defender a essência do movimento e o trabalho da sua principal fundadora foi algo claramente premonitório. Entre outros textos, a carta aberta de H.P.B. sob o título “Por Que Não Volto à Índia”  [6]  dá detalhes sobre esta questão. H.P.B. teve de ser especialmente vigorosa naquela época ao defender a verdade entre teosofistas, porque o movimento estava sob uma pressão sutil mas intensa,  que vinha de vários níveis da ignorância coletiva.   
 
Em muitos artigos, durante os seus últimos anos, H.P.B. também pareceu estar plantando conscientemente ideias-sementes para o uso de gerações futuras de teosofistas, em batalhas que ainda viriam. Ela ensinou, por exemplo, sobre o motivo pelo qual os buscadores da verdade devem rejeitar a ingênua ilusão segundo a qual “irmãos nunca devem criticar um ao outro”. Há algo de profundamente falso, segundo ela, na tática de “não criticar para não ser criticado”; porque os erros nunca serão corrigidos, a menos que críticas honestas possam ser feitas para identificá-los.  H.P.B. explicou:
 
“Os teosofistas (….) são constantemente advertidos, pelos prudentes e pelos medrosos, de que devem evitar tudo o que ofenda ‘autoridades’, sejam científicas ou sociais. A Opinião Pública, explicam, é o mais perigoso dos inimigos. Ir contra a opinião pública é fatal, dizem. A crítica dificilmente fará a pessoa ou a coisa criticada corrigir o erro ou ser corrigida.  No entanto, a crítica ofende a muitos, e faz  com que  os teosofistas sejam objetos de ódio. ‘Não julgue,  para que você não seja julgado’, é a advertência. Mas é precisamente porque os teosofistas aceitam ser julgados, e apreciam a crítica imparcial, que eles tomam a iniciativa de prestar este serviço aos seus semelhantes. A crítica mútua é uma norma extremamente correta, e ajuda a estabelecer regras definidas e definitivas na vida – práticas, e não só teóricas.”
 
E  H.P.B. acrescentou,  poucas linhas adiante:   
 
“A crítica é a única salvação contra a estagnação intelectual. Ela é a ferroada que estimula à vida e à ação – e portanto às mudanças saudáveis – aquele  pesado ruminante chamado Rotina e Preconceito, tanto na vida pessoal como na vida social.” [7]
 
Naturalmente, a honestidade não é sempre o caminho mais rápido para ter muitos amigos. H.P.B. teve de admitir:
 
“A sinceridade só é algo verdadeiramente  sábio, segundo parece, do ponto de vista do filósofo moral. Ela é grosseria e insulto  para aquele que vê a dissimulação e o engano como sinais de cultura e polidez, e que defende a ideia de que o caminho mais curto e mais fácil para o sucesso é não cutucar uma onça com vara curta e não questionar velhos hábitos. Mas, se a onça está obstruindo o caminho para o progresso e a verdade, e se a sociedade geralmente rejeita as sábias palavras de (Santo) Agostinho, que afirma que ‘nenhum homem deveria colocar o costume acima da razão e da verdade’, será que isso é suficiente para  o filantropo abandonar, ou mesmo desviar-se do caminho da verdade, só porque o egoísta prefere fazê-lo?” [8]
 
Os pseudoteosofistas devem ser, pois,  honestamente confrontados. Deste modo, evita-se que a teosofia e a verdadeira substância da fraternidade universal abandonem o movimento.  HPB escreveu, em um artigo publicado em 1889:
 
“Se os ‘falsos profetas da Teosofia’ não forem questionados, os verdadeiros serão em pouco tempo – como aliás já vêm sendo – confundidos com os falsos. Já é tempo de peneirar o nosso trigo e jogar fora a palha. A S.T. está ficando enorme em número de membros, e se os falsos profetas, os fingidores (…), ou mesmo os ingênuos de mentes fracas, forem deixados sem questionamento, a Sociedade pode transformar-se rapidamente em um corpo fanático dividido em trezentas seitas que odeiam umas às outras, como o protestantismo ….”. [9] 
 
Os “falsos profetas da Teosofia” realmente venceram a batalha pouco tempo depois da morte de H.P.B., e levaram o movimento ao período probatório da sua evolução.  Durante esta etapa, muitas sementes já estão mortas, enquanto as mudas de árvores bem sucedidas ainda não são visíveis. Robert Crosbie, que fundou em 1909 a Loja Unida de Teosofistas, L.U.T., enxergou uma forte semelhança  nas estratégias pelas quais o jesuitismo teve êxito ao infiltrar-se na Maçonaria e na Sociedade Teosófica. O personalismo é uma parte importante do método deles; e “uma falsidade amável e bem intencionada” é outra parte significativa.  Em carta a um amigo, Crosbie avaliou um determinado texto publicado pela Sociedade de Adyar:
 
“Estive vendo o artigo da revista que você mencionou. Ele é interessante, em alguns trechos instrutivo, inteligente e amplamente ilustrado com diagramas. Dá a impressão de que há um grande conhecimento sobre o tema. Mas ele fala aqui e ali do Logos e do Seu cuidado protetor em relação aos Seus filhos. Há muitas menções ao Deus pessoal sob outros nomes, fazendo assim com que os ‘Seus’ pobres, ignorantes e pecadores filhos continuem sem saber coisa alguma da sua natureza divina! O artigo me fez pensar no modo como os jesuítas tiraram a Maçonaria do rumo correto. Eles entraram nela, obtiveram os seus segredos, inventaram ‘graus mais elevados’ para desviar a atenção daquilo que estava oculto nos graus originais, e gradualmente a transformaram em algo inócuo e incapaz de levar ao conhecimento que eles temiam.”
 
Crosbie estava certo. As ideias e práticas tentadoras do jesuitismo se infiltraram no movimento teosófico de uma maneira muito semelhante. Além de transformar a Sociedade de Adyar e a sua Escola interna em um Papado Esotérico, os líderes de Adyar do período de 1900 a 1934 também criaram novas organizações, com  suas próprias versões de Maçonaria e de Igreja Católica. Eles fizeram anúncios espetaculares de todo tipo. Todas estas “coisas novas” eram apenas fogos de artifício psicológicos, usados para desviar a atenção dos estudantes para longe dos verdadeiros ensinamentos.
 
Robert Crosbie continuou em sua carta:
 
“Muito do que está ocorrendo na sociedade ……  tem a aparência de algo que leva ao abandono inócuo. Este é o modo de ação das forças bramânico-jesuíticas,  e o pensador comum é incapaz de perceber, ou de acreditar, quando advertido a respeito. Não se acredita que haja Forças Escuras, que haja colaboradores delas no mundo,  que estes colaboradores combatam desde o interior aquilo que eles pretendem destruir; e que eles se vistam com ‘peles de ovelhas’  de modo a não despertar suspeitas. Mas esta é a verdade. Cada fracasso nas tentativas de estabelecer a Religião da Sabedoria tem como fonte a ação das energias Escuras entre as tolas “ovelhas” que nada suspeitam, que são manipuladas através das suas fraquezas e levadas para outro caminho. Não há remédio para a tolice,  e para a ignorância,  exceto o autoconhecimento e o discernimento. Qualquer coisa que afaste alguém destes dois fatores leva à desolação. Eu gostaria que houvesse algum modo de fazer com que os olhos pudessem ser abertos e pudesse haver uma avaliação adequada de todos fatos. No entanto, se alguém fosse assinalar publicamente todas estas coisas, a acusação mais suave que haveria contra tal pessoa seria a de que “isso não é teosófico”. Tudo o que podemos fazer é acentuar a diferença entre a Doutrina do Olho e a Doutrina do Coração, com amplos exemplos.” [10]
 
Estas palavras ponderadas fazem parte da literatura pública do movimento teosófico desde 1934.   Para compreender a prudência presente na passagem, deve-se lembrar que Robert Crosbie escreveu esta carta entre 1909 e 1919, quando o trabalho pela teosofia autêntica dentro do movimento tinha que enfrentar obstáculos tremendos: era o auge da pseudoteosofia.
 
Por que motivo, então,  o progresso do verdadeiro movimento teosófico tem sido tão lento durante o segundo período da sua evolução?  Em primeiro lugar, devemos lembrar que a pressa é inimiga da perfeição.  O trabalho não é de curto prazo. Em segundo lugar, é preciso levar em conta o fato de que o “jesuitismo” – ou o “lado ativo  da ignorância espiritual” – é sutil.  Ele é,  até certo ponto,  difícil de identificar. Ele não é uma personalidade, um indivíduo ou uma sociedade. É um conjunto de padrões vibratórios frequentemente inconscientes, que vivem em torno de hábitos e procedimentos baseados em personalidades e interesses pessoais. Nenhum indivíduo e nenhuma seção do movimento está jamais inteiramente livre desta ameaça, e como consequência disso a prática do autoexame individual e coletivo é altamente recomendável. “Em que nós tivemos êxito? Onde falhamos? Como  podemos agir melhor da próxima vez?”  Estas antigas perguntas pitagóricas são sempre úteis.
 
A situação oculta corretamente descrita por Robert Crosbie tinha sido de certo modo prevista por HPB. Como Crosbie, ela deixou registrados elementos e instrumentos conceituais úteis para as  gerações futuras resolverem o problema.  Ela não escreveu  apenas que a mão dos jesuítas foi sentida em cada sociedade oculta desde a fundação do jesuitismo. Ela também acrescentou, no mesmo texto, uma ideia central para que o movimento teosófico possa inaugurar a sua terceira fase durante o século 21:
 
“Mas todos os esforços,  mesmo feitos com a maior astúcia, estão condenados ao fracasso a partir do momento em  que forem  desmascarados.” [11] 
 
Desta afirmação simples e autoevidente, pode-se tirar pelo menos uma conclusão clara e prática. A longo prazo, não tem grande importância o fato de que a maior parte do movimento teosófico foi infiltrada e dominada por falsos ensinamentos e ritualismos.  Também não é muito importante que alguns dos seus líderes tenham adotado  metas e métodos jesuíticos. Tudo o que os verdadeiros teosofistas têm que fazer é identificar e revelar todo este processo mayávico, ilusório, tão claramente quanto possível. E isso, lentamente, já vem ocorrendo.
 
Todos os dias os verdadeiros ensinamentos de Teosofia são adotados por um número crescente de estudantes em todo o mundo. Nenhuma estrutura exterior pode jamais ser eterna, e os mecanismos pseudoteosóficos parecem ter agora apenas a vida rotineira de cascas vazias.  Por outro lado, o verdadeiro movimento teosófico é independente de quaisquer estruturas visíveis, e o seu futuro é tão brilhante quando o futuro da humanidade. Uma vez que o discernimento espiritual seja usado para destruir as velhas ilusões cognitivas, a armadilha jesuítica construída durante o período de Annie Besant (1894-1933) será fraternalmente demolida.
 
No início da década de 1880,  um Mahatma escreveu um informe sobre a visão que o seu chefe, o Chohan, tinha da iniciativa teosófica. Foi certamente ao movimento como processo vivo, e não a alguma corporação burocrática,  que o Mahatma se referiu, ao afirmar:  
 
“A Sociedade Teosófica foi escolhida como a pedra fundamental , o alicerce das religiões futuras da humanidade.”[12]
 
Há também outro informe, menos conhecido, sobre o ponto de vista do Chohan em relação ao movimento. Nele, os Mestres dizem:
 
“Podemos dirigir e guiar os esforços e o movimento em geral. Embora separados do seu mundo de ação, nós não estaremos inteiramente afastados dele enquanto a Sociedade Teosófica existir.” [13]
 
Os teosofistas nunca foram “abandonados”. Só lhes foi dado algum tempo para que as mudas de fraternidade universal pudessem fazer algum progresso por seu próprio mérito. Como resultado, será possível para o movimento crescer com independência e cumprir melhor o seu papel na evolução humana. Quanto ao futuro luminoso do movimento e da humanidade, devemos levar em conta esta  profecia feita por H. P. Blavatsky:
 
“O Erro só é poderoso na superfície, porque ele é impedido pela Natureza Oculta de ganhar qualquer profundidade maior (…).  E, seja por fenômeno ou por milagre, enfrentando maus espíritos ou conspirações de bispos, a Ciência Oculta deve vencer a luta, antes que a era atual atinja ‘o triplo setenário de Sani (Saturno)’,  em outras palavras – antes do final do século vinte e um da ‘era cristã’.” [14]
 
Assim, a vitória da verdadeira teosofia e da fraternidade universal deverá ocorrer em algum momento entre  o instante presente e o ano de 2099; e  muito provavelmente de modo gradual.
 
Todos os teosofistas fazem parte, de uma ou de outra maneira, do processo que leva à próxima fase da história do movimento. Cada  estudante pode, por exemplo,  adotar como seu próprio lema o princípio orientador básico de que Não há coisa alguma mais elevada que a Verdade, e fazer um esforço para colocar a sua alma em sintonia com o espírito dos ensinamentos autênticos.  Em relação ao futuro da humanidade como um todo, talvez possamos adaptar a famosa frase com que H.P. Blavatsky  conclui o seu livro “A Chave Para a Teosofia”, colocando-a da seguinte maneira, e incluindo a palavra “quando”, ao invés de “se”:  
 
“Quando no século 21 o movimento teosófico viver de modo fiel à sua missão e aos seus impulsos originais – a terra será um céu, se comparada com o que é agora”.
 
 
NOTAS:
 
[1] “The Letters of H. P. Blavatsky to A.P. Sinnett”, T.U.P.,  Pasadena, CA, EUA, 1973, 404 pp.; ver a Carta CVI, p. 230. A mesma passagem aparece quase com as mesmas palavras  em outro contexto, em  “Collected Works of H. P. Blavatsky”, TPH, Adyar/Wheaton/London, Volume XIV, 1985, 734 pp., ver  p. 266.
 
[2] Esta  carta  de H.P.B. está incluída em “Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”, Editora Teosófica, Brasília, 2001.  Ela é a Carta 140, no volume II. Veja o trecho específico na  p. 325. 
 
[3] “The Letters of H. P. Blavatsky to A.P. Sinnett”, T.U.P. , Pasadena, 404 p., 1973, ver Carta CVI, p. 231.
 
[4]  “Collected Writings of H. P. Blavatsky”,  TPH, Adyar, Índia, vol. XIV, 1985, 733 pp., ver p. 267.
 
[5]  Estes episódios estão corretamente descritos na extraordinária obra “H.P.B.”, de  Sylvia Cranston, Ed. Teosófica, Brasília, 1997,  678 pp. 
 
[6]  O texto completo de “Por Que Não Volto à Índia” está disponível em nossos websites associados.
 
[7] “Literary Jottings on Criticism, Authorities and Other Matters”, em “Theosophical Articles”, H. P. Blavatsky, Theosophy Co.,  Los Angeles, volume  II, pp. 389 e 390.
 
[8] “To The Readers of ‘Lucifer’ ”, em “Theosophical Articles”, H. P. Blavatsky, Theosophy Co., ver volume  I, p. 279.
 
[9] “On Pseudo-Theosophy”, em “Theosophical Articles”, H. P. Blavatsky, Theosophy Co., Los Angeles, volume I, p. 163. 
 
[10] “The Friendly Philosopher”, Robert Crosbie, Theosophy Co. , Los Angeles,  1945, 416 pp., ver pp. 161-162.
 
[11] “Collected Writings of H. P. Blavatsky”,  TPH, Adyar,  vol. XIV, 1985, 733 pp., ver  p. 267.
 
[12] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, editadas por C. Jinarajadasa, Ed. Teosófica, Brasília, 1996, ver Carta  01 da primeira série, página 18. A mesma frase, com quase as mesmas palavras, consta da carta 46 da  primeira série, página 107 do mesmo volume.
 
[13] “Cartas dos Mahatmas para A.P. Sinnett”, Editora Teosófica, Brasília, 2001, volume II,  Carta 99, p. 156.   
 
[14] “Collected Writings of H.P.B.”,  TPH, Índia, volume XIV, p. 27.
 
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
 
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Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
 
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