Pomba Mundo
 
Há Algo Para Aprender de Cada Novo Outono
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
A Renúncia e a Liberdade com mold
 
Nos meses que levam ao inverno, algumas árvores
perdem folhas, que nascerão de novo na hora certa
 
 
 
Os ensinamentos escritos de Teosofia afirmam que a prática da renúncia é essencial ao longo do caminho para a sabedoria. Isso não significa que a renúncia só pode acontecer por um gesto completamente voluntário. Na verdade, é raro alguém renunciar por iniciativa própria.
 
Na maior parte das vezes, os ensinamentos clássicos sobre a renúncia servem apenas para estimular no estudante uma qualidade muito mais modesta. Eles o capacitam para compreender e aceitar as perdas inevitáveis, e para libertar-se pouco a pouco de apegos desnecessários. Para muitos, o apego ao que já não existe é uma grande fonte de dor.
 
O estudante de teosofia não necessita “renunciar” a coisas, portanto.  As coisas podem “renunciar” a ele e frequentemente fazem isso. Alguns fatores não essenciais da vida perdem seus atrativos tão logo ele desperta para o caminho filosófico. O Jnaneshvari explica:
 
“O homem livre de paixões não pode ser aprisionado pela existência física ou pelas condições da vida mundana, assim como o vento não é capturado por uma rede. O desejo se torna fraco do mesmo modo como o galho da árvore se solta da fruta madura.”
 
E, poucas linhas mais adiante:
 
“Então cada desejo de satisfação seja mundana ou celeste chega ao seu final, do mesmo modo como a fumaça deixa de ser produzida quando o fogo é apagado com cinzas. Quando a mente está sob controle, o desejo morre e o homem alcança a condição de autodomínio. Como resultado, o falso conhecimento desaparece e o Eu adquire o poder da percepção verdadeira.” [1]
 
Na verdade, o nascer do sol e o pôr do sol são simultâneos.
 
Eles ocorrem ao mesmo tempo, em lugares diferentes, e a mesma simultaneidade de eventos diversos acontece nos dois hemisférios da consciência humana.
 
O pôr do sol do eu inferior é o nascer do sol do eu superior, e da sabedoria. Quando renunciamos ou “somos renunciados” por coisas e situações, podemos adquirir uma força impessoal. Esta energia, mais elevada, não é uma “propriedade” do nosso eu superior, mas ocorre naturalmente naquele patamar de vida em que o eu superior existe. No território do altruísmo, a ilusão da posse não tem força. 
 
Ao aprender o desapego – lição ensinada pelo outono – temos acesso ao inverno. Esta estação preside a etapa culminante de Nivritti Marga, o caminho da materialidade decrescente inaugurado pelo outono. O inverno ensina humildade, firmeza de decisão, perseverança e transcendência. Ele é o pai da primavera.
 
Quando a vida recupera o seu calor, praticamos a arte de renovar-nos e de nascer de novo através da ação correta. Mais tarde surge o verão, mestre da força e da autoconfiança.  Para os sábios, no entanto, o verão também ensina a humildade e o inegoísmo. As almas experientes podem ver o ciclo inteiro e sabem que dentro de pouco tempo o verão convidará o outono a testar novamente a força da nossa perseverança e determinação.
 
As posses e propriedades pertencem ao mundo do medo e do sofrimento, enquanto a Renúncia leva à prosperidade da nossa alma espiritual. O pensador francês Ernest Renan adotou o ideal clássico de simplicidade voluntária vivido por Francisco de Assis, e escreveu o seguinte no século 19:
 
“Atravessei o mundo do mesmo modo que o patriarca de Assis, sem ficar fortemente apegado a ele e – ouso dizer – como um simples hóspede. Embora não tenhamos posses materiais, tanto ele como eu somos ricos. A divindade nos deu um direito de usufruto sobre o universo, e estamos contentes de desfrutá-lo sem um título de propriedade.” [2]
 
Este é o caminho da Teosofia, e cada um deve decidir por si mesmo o ritmo do progresso a ser feito no rumo da libertação.
 
NOTAS:
 
[1] “Jnaneshvari”, obra escrita por Shri Jnaneshvar e traduzida do idioma Marathi por  V.G. Pradhan. State University of New York Press, 1987, 652 pp., copyright UNESCO 1969. Veja a p. 596, parágrafos 951, 952, 957, 958, e 959.
 
[2] “Nouvelles Études D’Histoire Religieuse”, Ernest Renan, 1884, Calmann-Lévy, Editeurs; 533 pp., veja pp. III-IV. 
 
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O artigo acima foi publicado pela primeira vez em inglês, sem indicação do nome do autor, na edição de setembro de 2012 de “The Aquarian Theosophist”. Título original: “Renunciation is Freedom”.
 
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
 
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Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
 
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