Cinco Aspectos da Caminhada Teosófica
 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
A CONSOLIDAÇÃO DA VITÓRIA COM MOLD
 
 
 
1. Circunstâncias e Autodeterminação
 
A teosofia convida a examinar qual é a força das circunstâncias em nossa vida.
 
Quando pensamos em mudar a nossa existência para melhor, é conveniente pensar com cuidado sobre o que é, exatamente, que desejamos alterar. O que nos incomoda são as circunstâncias, de fato, ou será o nosso próprio modo de viver nelas?  
 
Se estivermos acostumados a olhar para fora, atribuiremos à situação externa o dever de mudar,  para que possamos ter maior conforto e mais comodidade.
 
Porém, se possuirmos a força necessária para olhar para nós próprios, veremos algo básico e fundamental: é mudando a nós próprios que eliminamos a fonte de desconforto. Isso não exclui mudanças externas, mas nos dá força para fazê-las em paz, se forem necessárias.
 
Se mudássemos apenas as circunstâncias que nos rodeiam, logo nos cansaríamos da nova situação. Desejaríamos então outras mudanças externas, e mais outras, por causa da nossa falta de força e de conforto interior. 
 
O estudante que está destinado a vencer avança passo a passo e sem pressa pelo caminho que leva desde a vida circunstancial, sempre  inconstante, até a existência estável de um ser autodeterminado.  Ele aprende a viver a sabedoria que já conhece. Ele amplia os seus conhecimentos em cooperação com outros. Ele coloca em movimento as causas da verdadeira felicidade. 
 
2. O Judô na Teosofia
 
Quando alguém toma uma decisão na vida e assume um compromisso sincero com o caminho da sabedoria, não deve pensar que o compromisso é linear, convencional, estável ou mecânico.  Inicialmente ele só é estável no plano da alma, mas não no plano do mundo. 
 
O peregrino errará mil vezes.  A questão não é saber se ele cairá ou não.  Ele cairá mil e duzentas vezes.  A primeira lição em Judô consiste em aprender a cair. 
 
Deve-se cair com o corpo e a alma leves, soltos, flexíveis, sem apego ao ato de cair, percebendo de imediato a forma que o erro ou queda assumiu. A partir da posição precisa da queda, e na sequência natural do tombo, o peregrino deve reerguer-se de imediato, atento aos novos movimentos do combate, capaz de localizar oportunidades positivas e pronto para cair de novo ou para derrubar de vez a ignorância que o desafia. 
 
Quando aprendemos a cair, podemos usar os obstáculos e energias contrárias a nosso favor.   Basta então tentar o melhor sempre, e ter paz-ciência. Com estas condições, somos capazes de olhar para o alto enquanto mantemos contato com o chão firme. 
 
3. Um Compromisso no Templo‏
 
É quando sabemos cair e levantar que os alicerces do templo estão sólidos e suas paredes já não são de papel.  
 
O templo divino é construído sem ruído e sem tijolos.  O barulho do mundo não o alcança.[1] Dele se irradia uma aura que acalma lentamente o ruído do mundo, mostrando o fluxo misterioso da luz eterna e da vida infinita. Este templo oculto não é físico. Ele não pode ser destruído pelo tempo. Ele existe e se expande no coração dos seres de boa vontade.   
 
Segundo a literatura teosófica, os templos de tijolos têm escasso valor.  A decisão de trilhar o caminho Sagrado deve ser tomada com completa autorresponsabilidade no templo do coração, o santuário interno habitado pela alma imortal. É ali, também, que a decisão de fazer o melhor deve ser preservada e renovada regularmente, ao longo de várias encarnações. No momento certo de cada existência, o compromisso é resgatado e renovado, com alguma diferença nas palavras, mas mantendo o mesmo significado essencial. 
 
Uma decisão tomada no templo do coração acelera o despertar do eu superior e também protege o peregrino dos perigos da ignorância. A proteção será recebida conforme o mérito pessoal e as possibilidades do carma coletivo.   
 
Esta resolução também acelera o carma individual e revela os pontos fracos a serem superados. O caminho é internamente luminoso e externamente íngreme. Trilhá-lo exige tempo.  Perseverança é necessária. Cada dificuldade é uma lição da Lei. Todo obstáculo é uma oportunidade para libertar-se de um aspecto da ignorância acumulada que causa sofrimento aos seres humanos. 
 
Transformando-se em um pesquisador autorresponsável das leis do universo, o buscador da verdade descobre a silenciosa bem-aventurança da felicidade incondicional.
 
4. Foco Superior, Antahkarana e Mudança Vital
 
De que modo o templo abstrato e invisível da alma imortal pode expressar-se no mundo? 
 
Para isso ele depende da parte inferior de Antahkarana, a ponte entre alma mortal e alma imortal.
 
Quando pensamos em Antahkarana, normalmente o visualizamos como se nossa consciência estivesse situada no eu inferior.  Neste caso a aceleração do contato com o eu superior consiste em abrir uma janela maior para o alto. 
 
Mas o que acontece quando a consciência passa a ficar focada com força especial no eu superior, devido a uma expansão mais ou menos súbita de consciência?  O que ocorre quando alguém nasce em condições muito diferentes da vida anterior, durante a qual pode ter expandido poderosamente Antahkarana?  Há uma ilustração deste caso nos primeiros capítulos do romance “O Idiota”, de Dostoievsky.  O sexto princípio (a inteligência espiritual) atua intensamente, mas há fortes limitações no funcionamento do eu inferior. O indivíduo pode ter, inicialmente, dificuldades de autocontrole, a menos que esteja rodeado de seres capazes de compreendê-lo, de acompanhar o seu processo, e dar-lhe elementos para que desenvolva em paz o seu melhor potencial. 
 
De certo modo o mesmo contraste e o mesmo perigo existem para todos os indivíduos. A infância é o ponto de encontro entre a situação abençoada do Devachan – o “lugar” divino em que o ser humano vive antes de renascer – e as duras condições reinantes no mundo físico.
 
As dificuldades enfrentadas por H. P. Blavatsky em seu eu inferior são exemplos disso.  A “loucura” de São Francisco de Assis durante sua juventude, segundo a lenda da vida dele, é outro exemplo.  A conduta saudável e inofensiva mas “excêntrica” de pessoas guiadas por seus eus superiores é proverbial em várias tradições. A importância do autoconhecimento, do autorrespeito e do autocontrole, destacada em “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, se deve a que estes três fatores são necessários para que a expansão do eu superior e de Antahkarana possa ser apoiada e estabilizada, e seja administrada corretamente, tanto na alma mortal como nas ações externas da vida. 
 
O foco principal da consciência domina o nível de território em que ele está preferencialmente situado, e tem menos influência sobre os níveis de território em que não vive permanentemente. A pessoa que amplia com força Antahkarana  deve simplificar sua vida no plano do eu inferior, para que possa manejá-la mesmo mantendo o foco da vida no plano mais elevado.
 
O peregrino tem força reduzida no eu inferior e nos assuntos externos.  Talvez ele seja considerado um fracasso completo nestes departamentos da vida.  Ele deve renunciar a estas frentes de batalha e abençoar suas “derrotas pessoais”: elas o libertam para concentrar seu foco nos planos abstratos e elevados. 
 
O ato de abrir mão de coisas e situações externas normalmente pode ser gradual. A expansão antahkarânica ocorre passo a passo na maior parte dos casos. Mas o que ocorre se uma pessoa vive uma expansão de Antahkarana de modo súbito? 
 
A repentina entrada do ponto de vista do eu superior em meio à sua vida emocional e física – que ainda estão organizadas em termos convencionais – cria uma forte tempestade na consciência. A intensa “reorganização” do eu inferior pode parecer caótica aos que observam o processo, a menos que a mudança seja construída e vivida por etapas, e depois de enxergar claramente o seu todo. 
 
Em qualquer hipótese, a chave do progresso está em uma combinação gradualmente expansiva de autoconhecimento, autocontrole e autotransformação. Enxergar uma meta pode ser rápido; caminhar até ela requer mais tempo. A mudança possível de cenário e de organização da vida externa de quem teve um insight profundo sobre sua própria existência deve ser implementada na medida em que haja um projeto de mudança pacífico, certeiro, correto, equilibrado e eticamente responsável. O projeto pode então ser implementado passo a passo, sendo reavaliado após cada passo mais importante.   
 
Quando há um despertar individual sob a luz de uma pedagogia teosófica correta, a mudança na vida não se faz em nome da rejeição do que já não serve.  Há gratidão em relação às etapas anteriores. A mudança se faz em nome da construção de algo maior e melhor. O verdadeiro desapego, que traz liberdade, ocorre ao lado de um sincero agradecimento.
 
Em teosofia, o tema da administração correta do progresso espiritual é complexo, e é fundamental.  Ele vale não só para os que passam por um despertar mais ou menos súbito. É igualmente importante para quem vive uma expansão lenta e gradual de consciência. 
 
Cabe a cada estudante de filosofia assegurar que o despertar mude sua vida toda e que sua existência não permaneça vítima de rotina cega.  É dever de quem procura a verdade – um dever para com sua própria alma imortal e para com todos ao seu redor -, renovar o seu mundo de modo responsável e prudente, com coragem, de modo que sua vida expresse cada dia melhor a luz do sol do seu Eu Superior. E quando os momentos agradáveis vierem, será necessário recebê-los com humildade.  
 
5. A Consolidação da Vitória
 
Em teosofia, não basta vencer.  É preciso consolidar a vitória transformando-a numa experiência de longo prazo que se renova e se aprofunda gradualmente.  
 
O perigo de errar não ocorre só na derrota. A derrota é uma boa mestra, e há muito por agradecer a ela. Por outro lado, a possibilidade de perder o bom senso pode ser especialmente grande no momento da vitória.  Quando não é acolhida com um humilde desapego e com serenidade, a vitória torna cegos os ingênuos e os desinformados.  O momento da vitória é decisivo: ele tanto pode preparar uma sucessão de vitórias, como pode abrir a porta  para uma derrota que estrague o progresso já alcançado.
 
A vocação da vitória depende do discernimento.  O indivíduo dotado de bom senso é essencialmente inalterável na vitória e na derrota. Diante da boa notícia, ele evita toda euforia, e deixa para os tolos as grandes celebrações. Quando há uma notícia desagradável, ele usa com força a energia interior acumulada nas vitórias, e enfrenta o sofrimento tão serenamente quanto possível, buscando pela brecha secreta que o levará da derrota à  vitória.   Ele permanece interiormente estável ao longo dos altos e baixos das marés da vida, porque sabe que só a calma permite construir uma vitória durável. 
 
Diante das boas notícias e da percepção do progresso, devemos lembrar que nossa meta é de longo prazo. Cada vitória é na verdade um pequeno passo à frente, e devemos consolidá-lo em silêncio enquanto vigiamos nossas limitações.
 
NOTA:
 
[1] Como na construção do templo de Salomão. Veja 1 Reis, 6:7.  
 
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
 
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Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
 
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